Erros do governo, e não partilha, levaram a frustração nos leilões do pré-sal

William Nozaki
Ineep
Imagem na cor azul escuro, com o logotipo do Ineep ao centro.

A pressa do governo em fazer caixa rápido ainda neste ano e o descompasso com as estratégias das multinacionais explicam muito da frustração com os últimos leilões realizados pela Petrobras. William Nozaki, diretor-técnico do Ineep (Instituto de Estudos Estratégicos do Petróleo), sustentou em audiência pública no Senado que a frustração do governo com o resultado dos últimos leilões do pré-sal está menos relacionada com o regime de partilha e mais com erros do próprio governo e com a estratégia das multinacionais. A audiência foi convocada na Comissão de Infraestrutura do Senado para debater a mudança nos leilões do petróleo do regime de partilha para o de concessão.

 

A pressão pela mudança aumentou depois dos resultados dos últimos dois leilões do Pré-Sal. O governo, que esperava arrecadar R$ 106 bilhões só no leilão do excedente da cessão onerosa, arrecadou R$ 70 bilhões, a maior parte deles arrematada pela própria Petrobras. Em busca de explicações, o governo culpou o regime de partilha e já começa a trabalhar para retomar um projeto de lei de autoria do senador José Serra (PSDB-SP) que modifica a atual lei de exploração do petróleo dos modelos de partilha e concessão.

 

Pelo projeto do tucano, as empresas estrangeiras terão a mesma igualdade de condições da estatal brasileira na hora de disputar leilões do pré-sal no modelo de partilha. Atualmente, por esse modelo, a estatal brasileira tem direito de preferência em todas as áreas no limite de até 30% de participação, e vence a disputa quem oferecer um porcentual de óleo maior para a União.

 

Na audiência, William Nozaki, que representou a Federação Única dos Petroleiros (FUP), e Paulo César Ribeiro Lima, da Associação dos Engenheiros da Petrobras, defenderam a manutenção do regime de partilha. Os representantes do Ministério de Minas e Energia (MME) e da Petrobras se manisfestaram favoráveis ao regime de concessão, alegando que isso tornaria os leilões mais atrativos.

 

Na avaliação do Ineep, não foi o regime de partilha que afastou investidores, o abandono do modelo de partilha seria prejudicial ao país.

 

William Nozaki analisou separadamente os dois leilões em sua exposição. No caso do leilão do excedente da cessão onerosa, a frustração está “muito mais relacionada às especifidades por se tratar de uma área já em produção e com risco menor e dos erros do governo na condução do processo e das negociações. Nada disso tem relação direta com o marco regulatório da partilha”

 

E segue: “Esse leilão foi problemático porque o governo subestimou as particularidades que ele trazia:

  • O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) deixou em aberto a negociação dos valores de indenização que a Petrobras receberia por se tratar de uma área onde ela já está produzindo;
  • O Ministério da economia impôs valores mais altos e prazos mais curtos para o recebimento dos bônus de assinatura, porque estava preocupado com a utilização desses recursos para reajuste fiscal e federativo de curto prazo;
  • Além disso, o governo já estava sinalizado o desejo de mudar o marco regulatório do setor, o que deve ter acendido um alerta das petrolíferas pra usar esse elemento pra esperar, pressionar por mudanças que as favoreçam e agir com mais cautela nos próximos leilões.”

 

Já no que diz respeito ao leilão da partilha, a explicação é que há um descasamento entre a aceleração dos calendários dos leilões a estratégia das petrolíferas.

“O Ineep fez algumas estimativas e apontou que a carteira das grandes majors já está bastante recheadas com ativos do pré-sal. A Exxon arrematou, ao longo das últimas rodadas em torno de 11 bilhões de barris de petróleo, a Total, cerca de 6 bilhões e a BP, cerca de 4 bilhões. Tudo isso faz com que essas empresas estejam reorientando suas estratégias para investir menos em novas aquisições e mais em projetos de desenvolvimento das reservas que já foram arrematadas”.

Ou seja, mais uma vez o problema que se expressa aqui é menos da regulação do Estado e mais da estratégia das próprias empresas petrolíferas.

 

Fortalecimento econômico e reindustrialização

O modelo de partilha foi construído com base em uma leitura que visava o fortalecimento econômico nacional. Tanto de vista da estrutura estatal, com a obrigatoriedade da operação e da participação da Petrobras — que infelizmente já foi subtraída — como também com o direito de preferência da Petrobras para participar dos consórcios vencedores, “medida essa que a gente entende que deve ser defendida e que não deve sofrer alteração nessa nova tentativa de revisão do regime de partilha”.

 

Quando foi desenhado, o regime de partilha tinha uma preocupação fundamental com a mudança da estrutura produtiva e industrial brasileira, por meio da implementação de índices mais ousados de conteúdo local e por meio da ativação mais intensa de políticas de compras governamentais pelas empresas estatais. Tudo isso vinha somado também ao desejo de, com esses recursos do pré-sal, produzir mudanças na estrutura social do país, por meio da criação do fundo social, que ia utilizar esses recursos pro financiamento de políticas públicas de educação, de ciência e tecnologia e saúde, marcado pela solidariedade intergeracional e pelo desejo de utilização dos recursos do petróleo no longo prazo.

 

“Nossa intervenção foi no sentido de preservação do regime de partilha”, reforça Nozaki. “E, dada a mudança na estratégia das petrolíferas, é preciso revisar o calendário dos leilões, que pode ser menos acelerado do que vem sendo proposto pelo CNPE e pela ANP. E essa desaceleração deveria vir articulada com a reabilitação de uma política que capaz de criar estímulos para que o direito de preferência da Petrobras e os índices de conteúdo local sirvam como uma alavanca para a reindustrialização do país e para o adensamento das cadeias produtivas que orbitam ao redor da produção de óleo e gás.”

 

Para Nozaki, é fundamental que esse tema seja mais amplamente debatido. “Nossa expectativa é conseguir sensibilizar os senadores para que essa discussão se não puder sair de pauta, que pelo menos seja votada com um período maior de debate e discussão pela sociedade, pra que essa matéria não coloque o petróleo brasileiro nas mãos dos interesses rentistas e de curto prazo do atual governo. E para que esse recurso natural estratégico seja sempre utilizado seguindo a lógica do planejamento de médio e de longo prazo e a possibilidade de partilhar esses recursos com o conjunto da população brasileira, não somente com os acionistas da Petrobras”.

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