Do LGN do Catar para a indústria de energia global: a internacionalização da Qatar Petroleum

Rafael Rodrigues da Costa, Rodrigo Leão
Broadcast Energia
Do LGN do Catar para a indústria de energia global: a internacionalização da Qatar Petroleum
Do LGN do Catar para a indústria de energia global: a internacionalização da Qatar Petroleum

Escritório central da Qatar Petroleum. Foto: The Peninsula Qatar.

A exemplo da Austrália, tema da última coluna escrita aqui no Broadcast Energia, o Catar foi um dos países que teve a maior expansão na produção de gás natural na última década. O país do Oriente Médio será o tema das próximas duas colunas.

 

Desde o início deste século, a produção de gás natural do Catar cresceu enormemente, o que permitiu o forte aumento das exportações de líquido de gás natural (LGN) principalmente com destino à Europa e à Ásia. Entre as razões que explicaram esse processo, está a atuação da petrolífera do país, a Qatar Petroleum. Além do desenvolvimento da produção de gás natural no gigantesco campo denominado “North Field”, a estatal tem realizados inúmeros investimentos em infraestrutura logística e contratos de LGN para países importadores.

 

De 2009 a 2019, a produção de gás natural do Catar cresceu 92,7% (uma média de 8,5% ao ano), saltando de 92,4 bilhões de metros cúbicos (bmc) para 178,1 bmc. A taxa de crescimento das exportações de LGN, no mesmo período, foi ainda maior (106,9%). Tais exportações subiram de 51,8 bmc em 2009 para 107,1 bmc em 2019. Com efeito, mais de 60% de toda a produção de gás natural foi exportada sob a forma de LGN.

 

De acordo com dados da British Petroleum (BP), em 2019, mais de dois terços das exportações foram para Ásia e outros 30% foram para o continente europeu. Na Ásia, os três maiores importadores de LGN do Catar foram, respectivamente, Coreia do Sul (15,3 bmc), Índia (13,2 bmc) e Japão (11,9 bmc), enquanto na Europa foram Grã Bretanha (8,8 bmc), França (6,4 bmc) e Bélgica (4,6 bmc).

 

Boa parte dessa produção e exportação foi realizada pela Qatar Petroleum. Em 2019, além da produção dos 4,8 milhões de barris de óleo equivalente por dia (boed) de petróleo, a empresa produziu quase 104 bmc de LGN, o que representou mais de 97% de todo o gás produzido no ano passado. A estatal prevê, entre 2024 e 2026, impulsionar a sua produção para 6,5 milhões de boed e cerca 150 bmc, um aumento de aproximadamente 35% na produção global da companhia.

 

Para alcançar esse objetivo, a petrolífera anunciou recentemente um plano ousado de expansão. Para isso, a empresa está apostando em joint-ventures com as gigantes ExxonMobil, Shell e Eni em projetos offshore na África e América Latina, na expansão da infraestrutura e em contratos de fornecimento de LGN na Europa.

 

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Nos últimos anos, a Qatar Petroleum tem se mostrado atenta às recentes descobertas de reservas de petróleo e gás ao redor do globo e tem investido pesado em parcerias estratégicas com outras gigantes petrolíferas, especialmente a italiana Eni e a norte-americana ExxonMobil, como forma de expandir os seus negócios para além do Oriente Médio com a segurança operacional e financeira de grandes parceiros no Ocidente.

 

Em parceria com as duas empresas, a estatal do Catar tem desenvolvido projetos upstream na África desde o Marrocos, na região costeira de Tarfaya, até Moçambique, nas bacias de Angoche e Zambeze, além de outras joint-ventures localizadas no Chipre, Congo, África do Sul e Omã.

 

No continente americano, a Qatar Petroleum anunciou em março deste ano que pretende investir nos Estados Unidos o equivalente a US$ 20 bilhões nos setores de energia convencional e não convencional. Na América Latina, a petrolífera do Oriente Médio tem conquistado espaço na exploração de petróleo e gás natural por meio dos consórcios feitos entre Eni, ExxonMobil, Shell e CNOOC. No Brasil, por exemplo, a empresa já adquiriu áreas de exploração na Bacia de Campos e no pré-sal da Bacia de Santos em parceria com a CNOOC no bloco Alto de Cabo Frio-Oeste e com a ExxonMobil no bloco de Titã.

 

Junto a essas ações, a Qatar Petroleum tem realizado investimentos com parceiros comerciais estratégicos de LGN na Europa, seja em contratos de longo prazo para fornecer o gás, seja para expansão da infraestrutura de terminais.

 

A ida da Qatar Petroleum para a infraestrutura europeia.

Como observado, a Europa se tornou um mercado estratégico para as exportações de LGN do Catar. Numa região onde há elevada concorrência de outros fornecedores, como de Rússia e Trinidad e Tobago, a Qatar Petroleum tem sido um ator estatal fundamental para que o país possa se estabelecer e impulsionar sua posição de grande fornecedor europeu. Somente entre 2018 e 2019, as exportações de LGN do Catar para a Europa cresceram 42,5%, um aumento de mais de 10 bmc.

 

Na Bélgica, por exemplo, a Qatar Petroleum assinou, em 2019, um contrato de exclusividade para o fornecimento de LGN ao terminal de regaseificação de Zeebrugge para os próximos 25 anos, junto à empresa belga independente de transporte de gás natural Fluxys Belgium que é responsável pelo terminal. Nos termos do acordo, a Qatar Terminal Limited (QTL), uma subsidiária da Qatar Petroleum, subscreverá a capacidade total do terminal a partir da expiração dos contratos de descarga de longo prazo existentes e até 2044. Esse contrato garantirá, por um lado, uma demanda estável para o LGN da Qatar Petroleum e, por outro, assegurará o uso e os investimentos para o terminal belga até meados do século XXI.

 

Na França, segundo maior importador europeu de LGN do Catar, a estatal assinou um acordo semelhante para fornecer no terminal de Montoir-de-Bretagne da Elengy um volume superior a 4,0 bmc até 2035. Isso representa mais de 60% de todo o LGN exportado para o país europeu em 2019. A Elengy, uma unidade do grupo francês Engie, afirmou que, a partir de Montoir-de-Bretagne, a Qatar Petroleum poderá acessar novos mercados europeus, facilitando o fornecimento de LGN do Qatar a clientes franceses e europeus.

 

Além dos contratos de fornecimento para terminais europeus em países onde a Qatar Petroleum já exporta LGN, a petrolífera também tem sinalizado a possibilidade de investir na infraestrutura de terminais a fim de abrir novos mercados de exportação.

 

Em 2018, a empresa iniciou conversa com as empresas alemãs Uniper e RWE sobre uma possível cooperação para a construção de um terminal de LGN na Alemanha. Na época, o diretor executivo da Qatar Petroleum, Saad Sherida al-Kaabi, disse que havia possibilidade da empresa compor um consórcio de empresas responsável por realizar a obra.

 

Em resumo, a Qatar Petroleum está aproveitando a forte expansão da produção de gás natural no seu país visando: (i) internacionalizar a produção de petróleo e gás em grandes consumidores, como Estados Unidos, México e Brasil e, dessa forma, diversificar a origem e o atendimentos de mercados e (ii) investir na infraestrutura e em contratos de fornecimento de LGN na Europa para aumentar sua inserção naquele continente, um dos grandes demandantes de gás natural do mundo.

 

Cabe ainda destacar que, por meio da indústria de gás, o Catar tem importantes relações com Japão e Coreia do Sul. As exportações de gás natural para esses países têm, como contrapartida, a realização dos investimentos da Qatar Petroleum na construção de navios na Coreia do Sul e em parcerias com a indústria petroquímica japonesa.

 

Como se nota, a estatal de petróleo do Catar mais do que uma grande produtora de gás no país e no exterior tem sido um “elo” fundamental da política de internacionalização econômico do país por meio de parcerias e realização de investimentos junto a grandes players globais.


Artigo publicado originalmente no Broadcast Energia.

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