Desigualdades climáticas no desenvolvimento humano: ricos emitem mais

José Sérgio Gabrielli
Le Monde Diplomatique

Plantação de soja em área do município de Alto Paraíso/GO. Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil.

No último lançamento do seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que mede o desenvolvimento a partir de indicadores de renda, educação e saúde, a ONU fez uma versão ajustada, acrescentando os impactos das Pressões Planetárias (P), ou seja, incluindo os efeitos das emissões do CO2 e do volume de carbono consumido por cada nação. A inclusão dessas variáveis tem feito alguns analistas denominarem esse novo indicador de IDH verde, o IDHP.

 

 

O país que liderava lista do IDH, a Noruega, saiu dos dez primeiros, assim como a China e os Estados Unidos caíram na classificação. Por outro lado, o Brasil subiu na lista do novo IDH. Dos mais de sessenta países com os mais altos níveis de IDH, somente dez continuaram classificados como de alto desenvolvimento humano no IDHP.

 

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Entre os dez países de mais altos IDH do mundo em 2019, quatro deles foram rebaixados saindo dessa lista após a implementação do IDHP. A Austrália, os Estados Unidos e a China perderam, respectivamente, 72, 45 e 16 posições, enquanto o Brasil e a Colômbia subiram 10 e 26 posições. Relativamente, os níveis mais baixos de emissões de CO2 per capita explicam a mudança da classificação dos países.

 

 

Essa transformação de ordenação tenta captar o fato de que os países com as mais altas rendas, educação e saúde, alcançaram essa posição se utilizando, dentre outros instrumentos, da maior emissão de gases de efeito estufa, que aumentaram a temperatura média do planeta, provocando as mudanças climáticas.

 

 

Ou seja, o objetivo do novo indicador é demonstrar que, para alcançar elevados níveis de desenvolvimento, esses países se utilizaram de uma estrutura econômica bastante intensiva em carbono, por conta especialmente do uso de fontes fósseis de energia. Foi exatamente essa estrutura a responsável por ocasionar os efeitos de poluição que afligem o planeta atualmente.

 

 

Dado um preço para o carbono, a ONU calculou o custo social das emissões e abateu esse valor do PIB de cada país, fazendo uma reclassificação dos IDH. O elevado custo social das emissões resultou numa queda do PIB de vários países, que perderam várias posições no ranking do IDHP em relação ao IDH clássico. Em outras palavras, a ONU buscou reduzir o nível de bem-estar dos países que apresentaram elevado ônus ambiental e alta deterioração do capital natural. Por isso, países de baixa renda e piores indicadores sociais, mas que possuam menores níveis de emissão, melhoraram sua classificação.

 

 

Essa nova metodologia revela de forma bastante clara a desigualdade dos efeitos sobre o meio ambiente dos modos de desenvolvimento entre os países. Também na distribuição de renda entre as pessoas, o novo IDHP expressa o fato de que os mais ricos são os principais responsáveis pelas emissões. As pessoas com os mais altos níveis de renda são aquelas que mais têm aumentado suas emissões, como resultado das suas escolhas de investimentos e acumulação de riqueza, que também as leva a maiores níveis de consumo e, por consequência, maior utilização de combustíveis fósseis e emissões que afetam o planeta. A metade mais pobre do mundo foi responsável por 9% das emissões desde 1970, enquanto ao 1% mais rico podem ser imputadas 17% de todas as emissões de CO2 desde então, como se ilustra na figura a seguir.

 

Figura – Crescimento das emissões por grupos da distribuição de renda 1970-2019.

Desigualdades climáticas no desenvolvimento humano: ricos emitem mais

Fonte: UNDP, 2021, p. 253.

 

 

Essa mudança do indicador é explicada também pelo fato de que os efeitos das emissões dos países ricos atingiram e atingem terceiros. Ou seja, os ônus das suas trajetórias de desenvolvimento principalmente para os países mais pobres não eram considerados na mensuração do IDH. Ademais, aqueles que se beneficiaram e se beneficiam do crescimento a partir dessa estrutura econômica, não são necessariamente os que pagam pelos seus efeitos.

 

 

Esse é mais um indicador que pode ajudar a demonstrar os países que estão contribuindo ou não para os acordos climáticos que vêm sendo realizados no mundo, com destaque para o Acordo de Paris.

 

 

Mesmo com a pandemia, que reduziu drasticamente a atividade industrial e, portanto, o uso de energia fóssil, a International Energy Agency (IEA) constatou que os níveis de concentração de CO2 na atmosfera estão 50% acima dos níveis da revolução industrial, o que ameaça os objetivos do Acordo de Paris. Por incrível que pareça, o aumento previsto para as emissões de 2021 não será maior que o nível atingindo antes da pandemia porque o petróleo terá seu crescimento limitado pelas restrições à mobilidade e porque há uma tendência de substituição do carvão pelo gás natural.

 

 

Como está o Brasil nesse cenário?

 

O Brasil teve em 2019 um IDH de 0,765, com expectativa de vida ao nascer de 75,9 anos, 8 anos de anos de escolaridade média e renda per capita de US$ 14.263 em paridade de poder de compra (PCC). Para fins de comparação, a Noruega, país que liderava o ranking antes do surgimento do novo indicador, teve IDH de 0,957, 12,9 anos de escolaridade e US$ 66.494 PPC de renda no mesmo ano.

 

 

O IDH brasileiro se mantém relativamente estável desde 2013, mas o país vem perdendo posições no ranking por causa do crescimento do índice de outros países. Do ponto de vista das emissões, a expansão dos transportes com a queima de combustíveis fósseis e a utilização de gás natural na geração elétrica são as principais causas do aumento das emissões, ao passo em que o aumento do desmatamento reduz a capacidade de absorção do CO2, elevando os níveis líquidos das emissões brasileiras.

 

 

Além disso, no caso brasileiro, o processo de transição energética tem desafios importantes principalmente porque o petróleo e seus derivados, além do gás natural, são responsáveis por 46,6% das fontes utilizadas e o transporte, principal destino desse combustível fóssil, representa 28,8% do consumo total de energia.

 

 

Um processo de transição energética acelerado precisa ampliar o uso das fontes renováveis, mas, sem uma profunda transformação na forma de se utilizar a energia, não será possível reduzir as emissões de carbono, porque continuará existindo demanda para as energias fósseis.

 

 

Além disso, o crescente desmatamento das nossas florestas dificulta a transição, diminuindo o elemento redutor das emissões líquidas, principal objetivo da maior parte dos agentes envolvidos na discussão.

 

 

Quando Bolsonaro faz promessas de acabar com o contrabando ilegal de madeira da Amazônia, ao mesmo tempo em que demite o chefe da fiscalização das exportações de madeira, e não toma providências efetivas para a expansão da pecuária e mineração sobre regiões de florestas, há muitas dúvidas sobre a possibilidade do Brasil continuar subindo no IDH verde. Não subir no índice significa piorar a situação do Brasil, relativamente a outros países, no que se refere às pressões do desenvolvimento econômico sobre o equilíbrio do planeta.

 

 

Se o IDHP melhora a posição relativa do Brasil em termos de desenvolvimento humano, as decisões do governo Bolsonaro estão transformando nossas potencialidades em novos obstáculos e dificultando ainda mais a retomada do nosso desenvolvimento sustentável.

 


 

Artigo publicado originalmente no Le Monde Diplomatique Brasil.

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