Combustíveis sintéticos e hidrogênio verde: limites e oportunidades na transição energética

José Sérgio Gabrielli
epbr

Há diversas rotas tecnológicas para a redução do uso de combustíveis fósseis nos transportes. A eletrificação da frota, com a substituição dos motores a combustão interna (ICE) por motores elétricos ou híbridos é uma alternativa. A mudança de modais de transporte, com estímulos para aqueles menos intensivos em carbono é outra.

 

 

Há, ainda, a possibilidade de ampliação do uso de biocombustíveis e combustíveis sintéticos sem utilização de hidrocarbonetos e/ou a otimização de rotas para aprimoramento tecnológico dos motores ICE.

 

 

Foto: Divulgação/Shell.

 

 

Todos esses caminhos têm como desafio superar a lenta transição decorrente da necessidade de mudança do aparato utilizador de combustíveis fósseis, ampliar sua eficiência, ganhar escala e avançar rapidamente na corrida pela redução das emissões dos gases de efeito estufa que afetam as mudanças climáticas.

 

 

A transição energética disruptiva envolve uma disputa de poder sobre qual caminho percorrer, tanto em relação à substituição das fontes de energia quanto aos seus usos.

 

 

Recentemente, a Alemanha conseguiu alterar as recomendações da política ambiental da União Europeia que previam a proibição da venda de novos veículos ICE a partir de 2035.

 

Alemanha garantiu exceção para motores a combustão

A Alemanha logrou garantir uma exceção para os veículos ICE que utilizem combustíveis sintéticos provenientes de fontes renováveis, como por exemplo, os e-fuels que utilizam hidrogênio e matérias-primas vegetais ou animais.

 

 

Os e-fuels têm origem no processo industrial de eletrólise que separa o hidrogênio do oxigênio na água. Posteriormente, o hidrogênio é misturado ao dióxido de carbono para criar, juntamente com fontes vegetais ou animais, combustíveis que não usam petróleo ou gás natural.

 

 

O governo da Alemanha pressiona a União Europeia para adotar essa rota de transição para combustíveis de baixo carbono, mesmo antes de ser determinado o fim dos motores de combustão interna (ICE), que atualmente dominam os transportes no mundo.

 

 

Essa posição se alinha aos interesses da e-Fuel Alliance [1], aliança formada por grandes empresas petrolíferas, de gás natural, químicas, energia elétrica, além de montadoras de veículos, com objetivo de buscar apoio político e social para agenda de sustentabilidade através da manutenção dos motores ICE movidos a combustíveis renováveis. Os e-fuels são objeto de controvérsias quanto a sua eficácia no combate às mudanças climáticas e aspectos econômicos.

 

 

Do ponto de vista climático, os questionamentos se devem ao fato de que os combustíveis sintéticos, como e-fuels, aumentam a eficiência energética nos transportes em 16%, percentual abaixo dos 72% alcançados pelos motores elétricos. Ademais, estima-se que os e-fuels demandem quase seis vezes mais energia renovável do que um veículo elétrico equipado com bateria. Do ponto de vista econômico, os e-fuels são questionados quanto ao seu custo e capacidade de oferta. Um dos principais insumos dos combustíveis sintéticos é o hidrogênio verde, cuja produção anual, em 2021, chegou a 40 mil toneladas. A produção necessária estimada para atender apenas a demanda da União Europeia em 2030, mantidas as metas de descarbonização definidas hoje, é de 20 milhões de toneladas de hidrogênio verde.

 

 

O custo dos e-fuels hoje é de duas a três vezes maior do que o custo do hidrogênio azul, cujo insumo é o gás natural. Essa diferença é ainda maior quando comparada ao custo de produção do hidrogênio cinza, tecnologia dominante hoje na produção de hidrogênio, mas que não garante sequestro de carbono.

 

Eletrificação no transporte

A expansão da produção do hidrogênio verde, portanto, requer redução dos custos de produção das energias solar e eólica, além de avanços nas tecnologias de eletrólise e de transformação do e-fuels.

 

 

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Esses são elementos fundamentais dessa tática intermediária da transição energética no transporte de pessoas e cargas. No transporte aéreo, o uso de combustível de aviação sustentável (SAF) e inovações tecnológicas que ampliem a eficiência das turbinas dos aviões ainda precisam avançar muito para aumentar a competitividade dos combustíveis sintéticos.

 

 

Os atores mais engajados na transição energética defendem as políticas que buscam a substituição completa dos motores a combustão interna (ICE), que seriam trocados por eletrificação das frotas, mesmo que esses veículos sejam mais caros, favoreçam a lógica do transporte individual e ainda encontrem limitações nos minerais necessários para a armazenagem da energia.

 

 

A eletrificação das frotas de transporte coletivo urbano tende a aumentar. Contudo, a viabilidade da oferta e consumo de combustíveis não fósseis no modal rodoviário ainda tem um longo caminho a percorrer.

 

Combustíveis sintéticos: projetos em fase preliminar

Outra dinâmica observada é o crescente interesse da indústria em testar novas formas de produção a partir de energias alternativas, mas a execução dos projetos ainda está em fase muito preliminar.

 

 

Em Punta Arenas, extremo sul do Chile, por exemplo, está em operação o projeto Haru Oni, experiência pioneira para criação de um complexo verde de combustíveis liderada pela Highly Inovative Fuels (HIF). Com amplo suporte do governo alemão e em associação com Exxon, Siemens, Porsche, entre outras empresas, o investimento inicial previsto é de US$ 74 milhões. O projeto pretende produzir 130 mil litros de e-fuels inicialmente e atingir 550 milhões de litros a partir de 2027. Apenas esse projeto seria capaz de elevar em 13,75 vezes a produção global de hidrogênio verde atual (2021). Meta extremamente desafiadora.

 

 

Outro projeto, ainda mais ambicioso, se desenvolve no sul do Texas, no condado de Matagorda. Coordenado pela mesma HIF e focado na produção de metanol para a indústria química, esse projeto tem início de produção previsto para 2024 e projeta produzir 750 milhões de toneladas de e-fuels até 2027, utilizando 300 milhões de toneladas de hidrogênio verde e 2 milhões de toneladas de CO2 reciclados anualmente.

 

Malefícios do tradicional modelo primário exportador

O tema da escolha da rota de banimento dos motores de combustão interna (ICE) vem provocando intensos debates na Europa. O governo alemão advoga pela defesa da expansão do hidrogênio verde no mundo, em busca de se tornar o principal importador no futuro próximo.

 

 

A viabilidade do hidrogênio verde vai depender da ampliação de seu uso para setores que hoje não o utilizam em volumes significativos. Seu uso, portanto, representa a um só tempo um desafio para a transição energética e novas oportunidades na busca de caminhos mais prósperos e sustentáveis na geração de energia limpa.

 

 

O Brasil, especialmente o Nordeste, deu um salto na utilização de fontes limpas com a recente expansão das energias solar e eólica. O mercado global de hidrogênio verde pode representar uma oportunidade. Contudo, é preciso ampliar a parcela do valor adicionado retida no país, para evitar repetir os malefícios do tradicional modelo primário exportador que nos persegue há muitos anos. Caso contrário, estaremos apenas exportando sol, vento e água.

 


 

Notas:
[1] Entre os membros da Alliance estão a ExxonMobil, Repsol, ENI, GazEnergie, Gulf, as empresas automobilistas Porsche, Iveco, as elétricas e de material elétrico como a Siemens Energy, Bosch e Kohler. Disponível em: https://www.efuel-alliance.eu

 

Artigo publicado originalmente em epbr.

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