China usa o gás para limpar a matriz energética e fazer política de boa vizinhança

Rodrigo Leão
Broadcast Energia
Imagem na cor azul escuro, com o logotipo do Ineep ao centro.

O gás natural ocupa hoje papel central na política energética da China. Além de ser uma ferramenta mais acessível de limpeza da matriz energética, guarda também vantagens econômicas e diplomáticas. O país cada vez mais tem optado por fornecedores asiáticos para atender sua demanda interna de gás, que, simultaneamente, vez ganhando espaço no cardápio de insumos essenciais à movimentação da economia. Desse jeito, não só faz a roda girar, como agrada a vizinhança e afasta riscos de dependência de um único e grande vendedor de gás.

 

 

Atualmente, as duas principais diretrizes da politica energética chinesa são a redução da intensidade energética em um total de 15% entre 2016 e 2020 e a ampliação da utilização de fontes de energias renováveis.

 

 

O Key China Energy Statistics 2016 mostra que a China reduziu o seu consumo de energia por unidade do PIB (Produto Interno Bruto) em mais de três vezes, de 1980 a 2015. Já os dados apresentados no Outlook da BP mostram que a China também tem alcançado seu objetivo de ampliar o consumo de energias renováveis diminuindo a participação do carvão.

 

 

» Leia também outros artigos sobre Estratégias nacionais e empresariais. Clique aqui.

 

 

De 2008 a 2019, a contribuição do carvão no consumo energético da China caiu de 72,2% para 55,6%. Um esforço de redução acentuado se considerarmos que, no mesmo período, o país ampliou seu consumo de energia em 51,6%. O menor uso do carvão foi substituído, em grande medida, pelo gás natural. De 2008 a 2019, a participação do gás no consumo chinês cresceu de 3,2% para 7,5%. Excluindo o petróleo e o carvão, as energias mais limpas aumentaram seu peso na matriz chinesa de 10,7% para 25,6%.

 

 

Embora o perfil da nova matriz energética chinesa caminhe para uma maior diversificação, com peso relevante para diferentes fontes energéticas, é indubitável que o gás natural exerça um papel fundamental no processo de transição. Um fato que comprova isso é o papel relevante atribuído à expansão dos gasodutos chineses, principalmente ligando o país à Ásia Central, no ambicioso programa global de investimentos em infraestrutura lançado pelo Partido Comunista Chinês (PCC), denominado a “Rota da Seda”, com valor estimado em US$ 900 bilhões.

 

 

Além disso, o gás natural também tem sido um instrumento importante para reforçar o protagonismo chinês na indústria regional asiática. Por isso, o país tem investido de maneira crescente no segmento de gás natural no seu entorno. Na Indonésia, por exemplo, as companhias Sinohydro, Gezhouba Group e China Power International apostaram em projetos hidroelétricos e de energia térmica. Dada a importância da Indonésia como um importante fornecedor de carvão e gás natural para as zonas costeiras da China com elevada intensidade energética. A China aposta no país asiático como um grande fornecedor de gás natural para atender sua demanda crescente.

 

 

Como afirmado em artigo anterior no Broadcast Energia, a China também desenvolveu projetos internos de expansão da indústria de gás natural. Nesse sentido, o país tem ampliado sua capacidade de importar gás natural liquefeito (GNL) e feito investimentos em exploração e produção de gás natural.

 

 

No 12° Plano Quinquenal, planejou construir 60 novos transportadoras de GLN e ampliar de 5 para 14 o número de terminais de GNL no país, totalizando um investimento superior a US$ 12 bilhões neste segmento. Em maio deste ano, o Guangzhou Gas Group anunciou a construção de um terminal de importação de GNL com capacidade anual de armazenamento de 2 milhões de toneladas. Além disso, a mesma empresa definiu um acordo de importação de GNL de 1 milhão de toneladas anuais para os próximos 25 anos com a Singapores Pacific Oil & Gas.

 

 

Segundo dados do governo chinês, a expectativa é que a capacidade de estocagem de gás natural aumente a uma taxa de 17% ao ano de 2015 a 2025. Esse movimento tem sido liderado pelo GNL. Mesmo quando a compra do gás por meio dos gasodutos está mais barata, a China tem optado pela aquisição por meio de GNL. Com isso, tem garantido o aumento da sua capacidade de estocagem de gás diversificando a origem de seus fornecedores.

 

 

Em termos de produção de gás natural, um estudo de Jianghua Chen de 2017 mostra que há um imenso potencial a ser explorado na China. Embora o shale gas representasse apenas 12,5% das reservas provadas de gás natural em 2017, as estimativas do Ministério de Recursos Terrestres apontam a existência de 21,8 tcm de reservas recuperáveis de shale gas na China. Se provadas, essas reservas colocariam a nação asiática como uma das cinco maiores do mundo.

 

 

As empresas estatais foram orientadas para explorar essas novas reservas. O mesmo Chen mostra que todas as reservas provadas de shale gas, em 2017, pertenciam a duas empresas estatais, sendo a Sinopec a principal delas (cerca de 70% das reservas).

 

 

Além disso, de acordo com o Plano de Desenvolvimento do Shale Gas 2016-2020, o governo adotou mais duas medidas importantes de apoio à indústria local do shale gas: a manutenção dos subsídios para as empresas produtoras, embora exista um cronograma de redução desses subsídios ao longo dos anos e o encorajamento de cooperações entre as empresas estatais e o capital estrangeiro, como já ocorreu em algumas rodadas de licitação anteriores nas quais a PetroChina estabeleceu parcerias como operadoras estrangeiras.

 

 

O objetivo de uma matriz mais limpa, a busca por um maior controle da matriz energética e as inovações de exploração (shale gas) e de transporte (LGN) têm modificado estruturalmente o setor de gás. Considerando-se as amplas possibilidade de uso do gás – energia elétrica, insumo industrial, consumo residencial etc. –, essas mudanças tem se acelerado nos últimos anos. Ao se posicionar como uma energia relativamente limpa, com uma influência menor dos monopólios globais (e cada vez menos atrelada ao mercado de petróleo) e com preços cadentes, o gás ocupa posição cada vez mais estratégica no processo de transição energética.

 

 

Principalmente por conta do GNL, o gás natural permite aos chineses tornar sua matriz menos suja e diversificar suas importações. Além de ter mais capacidade para influenciar no preço, a China pode atrair vários parceiros comerciais energéticos, evitando depender de um único país ou região. Portanto, o gás natural não apenas significa a produção de energia mais limpa, mas também uma maior soberania energética e uma maior capacidade de influência na geopolítica do gás natural.

 

 


 

Rodrigo Leão é Coordenador-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), pesquisador visitante do Núcleo de Estudos Conjunturais da UFBA e doutorando em Economia Política Internacional pela UFRJ.

Comentar