Abertura do mercado de gás expõe riscos e incertezas sobre setor
CartaCapital
O mercado de gás natural é o novo objeto de atenção e interesse econômico e empresarial no Brasil, dadas as possibilidades que pode abrir, e é nesse processo que se insere a recente aprovação da Nova Lei do Gás.
As três principais mudanças da nova lei são: a migração do regime de construção dos gasodutos, que agora não é mais realizado por concessão e sim por uma autorização da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP); a permissão para que múltiplos agentes possam acessar gasodutos de escoamento, instalações de tratamento ou processamento de gás natural e terminais de gás natural liquefeito (GNL); e os serviços de transporte passam a ser oferecidos pelo regime de contratação de capacidade por entrada e saída, com a permissão de uma empresa ser contratada independentemente da outra.
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A lei, portanto, direciona suas atenções ao acesso e a uma facilitação para as empresas expandirem os gasodutos no território. O objetivo seria atrair novos investidores para o transporte de gás, bem como para a construção de novos gasodutos. Todavia, esse processo não está articulado às formas de expansão da demanda pelo gás natural. Isto é, supondo que a nova lei traga de fato uma expansão da malha de gasodutos e um maior número de empresas a operar nesse mercado, ainda não está claro a quais mercados será destinada a maior parcela de gás natural.
Além disso, a facilitação regulatória para a construção de novos gasodutos não garante outras condições fundamentais, como financiamento dos investimentos e coordenação do sistema. Dada a limitação da atual malha de gasodutos, essas condições são ainda mais fundamentais.
A rede de gasodutos no Brasil tem cerca de 9 mil quilômetros, é bastante concentrada na costa e tem pouca densidade distributiva. Como parâmetro de comparação, a rede dutoviária da Argentina tem cerca de 16 mil km – e o território argentino tem pouco mais de um quarto do tamanho do território brasileiro –; a da Europa, 200 mil km; e a dos EUA, 497 mil km. Não é certo que as inovações trazidas pela nova lei garantam a ampliação e a internalização dessa rede.
A indústria de gás funciona em rede por definição. Sua expansão ocorre integrando produção, logística e consumo. A abertura do mercado de gás brasileiro vai exigir aumento de investimentos em todos os elos de produção, mas a realização de investimentos privados no setor se torna mais incerta sem a indução da Petrobras, o financiamento do BNDES ou a constituição de um fundo de expansão para os gasodutos de transporte, escoamento e produção, que o Poder Executivo sinaliza bloquear.
Além disso, a entrada de múltiplos operadores exige uma rediscussão sobre a regulação desse segmento. Não está claro como a ANP se comportará nesse novo cenário, tampouco houve uma discussão mais aprofundada sobre como se reorganizará a regulação estadual. Após a aprovação da lei, muito provavelmente também se intensificarão as pressões para a privatização das distribuidoras estaduais de gás.
Junto a superar os desafios de financiamento e regulação, é importante a criação de novos mercados para receber uma expansão da oferta de gás natural. O Brasil tem potencialidades para isso, como a gigantesca demanda da agricultura por fertilizantes e a possibilidade de substituição dos combustíveis, particularmente do óleo diesel usado por caminhões pelo gás natural veicular (GNV). Todavia, o aproveitamento dessas oportunidades depende, mais uma vez, da implementação de um programa articulado de investimentos, no qual o Estado deve desempenhar uma função estratégica.
A Nova Lei do Gás, portanto, traz inovações de repercussões incertas e não atinge um problema crucial desse mercado, que é a expansão da demanda para o maior uso do gás. Por isso, o investimento público e a regulação estatal são fundamentais para o bom desenvolvimento desse setor. Tais questões não serão resolvidas apenas por uma nova lei.
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