A reforma tributária e os efeitos sobre os preços dos derivados

Adhemar Mineiro
Jornal GGN
Imagem de um posto de combustível em que, ao fundo, aparecem duas tabelas de preços; à direita, um motociclista esperando para abastecer a moto; e, à esquerda, as bombas de combustível.

Os tributos são uma parte essencial dos preços dos derivados de petróleo e uma importante fonte de receita pública. Os preços dos derivados são compostos pelos preços pagos ao produtor (ou ao importador, para produtos diretamente importados) que incluem a sua remuneração, as margens de distribuição e revenda, os custos de componentes específicos (como o biodiesel no diesel e o etanol anidro na gasolina) e os tributos federais e estaduais.

 

Imagem de um posto de combustível em que, ao fundo, aparecem duas tabelas de preços; à direita, um motociclista esperando para abastecer a moto; e, à esquerda, as bombas de combustível.

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil.

 

Portanto, a reforma tributária, com discussões em andamento há algum tempo, terá impacto direto na formação de preços dos derivados de petróleo no país.

 

O sistema tributário vigente no Brasil foi estabelecido nos anos 1960 e, desde então, sofreu modificações pontuais. Por isso, desde a Constituição de 1988, a necessidade de uma reforma tributária é reconhecida.

 

 

Em tese, é simples encontrar consenso nos pontos principais. Ninguém costuma discordar da necessidade de simplificar o sistema, aumentar a eficiência na arrecadação, melhorar a transparência, utilizar a reforma para reduzir as desigualdades sociais, adotar a progressividade (cobrando mais dos ricos e menos dos pobres), ou sobretaxar a especulação e não a produção. Estas seriam questões de justiça tributária.

 

Entretanto, nem sempre o que é justo é politicamente viável. Os vários governos federais sempre temeram um pragmatismo do Congresso. Por exemplo, a Constituição de 1988 redistribuiu a arrecadação tributária entre União, Estados e Municípios, repassando mais recursos para os níveis subnacionais. Muitos congressistas são candidatos a prefeitos e governadores e, assim, se interessam pela redistribuição.

 

Desde o processo constituinte, o Executivo Federal, por meio de várias medidas de diferentes governos, foi reconcentrando o bolo tributário em favor da União. A partir daí, o governante em exercício, independentemente de sua orientação política, passou a temer que a abertura da discussão levasse a uma nova redistribuição dos recursos.

 

A partir de 2003, entretanto, várias propostas de emendas constitucionais sobre a reforma tributária foram se acumulando. Em 2019, finalmente, essas propostas foram condensadas na PEC 45, mas somente em 2023 é que a discussão ganhou tração no Congresso.

 

Para o governo, era importante efetivar dois pilares estruturais na sua ação: o Novo Arcabouço Fiscal e a Reforma Tributária. Logo, as discussões acabaram se concentrando na simplificação do sistema, com a proposta de um imposto sobre o valor adicionado (IVA) não cumulativo, distribuído em dois componentes: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), agrupando tributos subnacionais; e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), para reunir os federais.

 

No caso dos derivados, em especial da gasolina, há que considerar que, além da discussão dos novos elementos tributários, em 2022, foram feitas algumas “pedaladas” na formação dos preços, que depois tiveram que ser desfeitas.

 

No início de 2022, com a turbulência internacional e o aumento acentuado dos preços do petróleo devido à invasão da Ucrânia, os preços internos, vinculados à época diretamente aos preços internacionais, subiram.

 

A partir de março, o governo de Bolsonaro propôs algumas medidas para tentar reduzir os preços, que estavam gerando pressões inflacionárias e insatisfação, complicando sua situação em ano eleitoral, especialmente através de medidas fiscais.

 

As tentativas de diminuir os tributos foram, em geral, absorvidas pelos demais atores da cadeia de produção de combustíveis, de forma que as reduções fiscais não se traduziram em uma redução equivalente nos preços finais.

 

As medidas de redução tributária visavam conter os aumentos de preços no segundo semestre de 2022, período eleitoral. No entanto, deixariam um passivo complicado, pois o novo governo teria que lidar com a continuidade dessas reduções tributárias em meio à possibilidade de persistência das turbulências internacionais. A revisão acabou se dando no quadro das discussões da reforma tributária no Congresso, o que dificultou a sua implementação.

 

No início de julho do ano passado, o Congresso aprovou a PEC da Reforma Tributária e o Novo Arcabouço Fiscal. A regulamentação da PEC da Reforma Tributária está em andamento, com a expectativa de conclusão até o final deste ano, devido ao calendário eleitoral, que pode reduzir o ritmo dos trabalhos no início do segundo semestre.

 

O que está em processo de regulamentação é a criação do imposto sobre o valor agregado, dividido em duas partes:

 

  • a CBS, de arrecadação federal, que substituiria o IPI, PIS e Cofins e Cide;

 

  • e o IBS, de arrecadação estadual e municipal, que substituiria o ICMS e ISS.

 

Além disso, seria criado o Imposto Seletivo, destinado a incidir sobre bens e serviços prejudiciais à saúde, como cigarros e bebidas alcoólicas, ou que causam impactos negativos ao meio ambiente, como os combustíveis fósseis e seus derivados.

 

Os tributos constituem uma parte significativa do preço final dos derivados, representando, nos meses recentes, cerca de um terço do preço da gasolina, aproximadamente 30% do preço do diesel e pouco menos de 20% do preço do GLP. Assim, alterações no campo tributário podem ter um impacto considerável nos preços finais desses produtos.

 

Essas mudanças também podem influenciar a produção, como no caso do imposto seletivo, e a importação e exportação de petróleo. Além disso, há impactos potenciais nas finanças estaduais.

 

Como a discussão se concentrou na simplificação tributária, outros temas receberam pouca atenção. Questões como a incidência tributária sobre o GLP, que afeta a população mais pobre que utiliza gás de cozinha, ou a tributação sobre a gasolina, que pode influenciar o incentivo ao transporte individual, são exemplos de aspectos que poderiam ter enriquecido o debate.

 

Vale observar que, dependendo da regulamentação e da flexibilidade que ela permitir, a tributação pode influenciar a direção da transição energética, especialmente em relação aos derivados de petróleo.

 

 

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Nesse momento, lembrando o que ocorreu em 2022 – quando as reduções tributárias foram absorvidas por outros atores na cadeia de formação de preços e tiveram pouco impacto na redução dos preços finais –, é essencial levar em conta que o debate sobre a regulamentação da reforma vai envolver muitos e importantes interesses.

 

Essa leitura dos efeitos da reforma tributária sobre os preços dos derivados para os consumidores, sob a perspectiva da “economia política”, ainda precisará ser aprofundada nos próximos meses.


Artigo publicado originalmente no Jornal GGN.