A importância do conteúdo local na exploração e produção de óleo e gás

Francismar Cunha Ferreira
Revista Oil & Gas Brasil
Imagem da plataforma de petróleo P-67 ancorada na Baía de Guanabara/RJ. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil.

A política de conteúdo local (PCL) no setor de petróleo e gás, em particular no segmento de exploração e produção (E&P), é fundamental para o desenvolvimento da indústria nacional e a criação de empregos. Trata-se de uma política adotada por diversos países e que, no Brasil, teve um período de expansão a partir de 2003, seguido por um recuo em meados da década de 2010.

 

Imagem da plataforma de petróleo P-67 ancorada na Baía de Guanabara/RJ. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil.

Não se trata de engessar a indústria de óleo e gás ou criar mecanismos punitivos por descumprimentos do conteúdo local, mas sim de ampliar os benefícios do petróleo para além da produção em si, promovendo a geração de empregos e impulsionando o desenvolvimento industrial e produtivo no país. (Na imagem, a plataforma de petróleo P-67 ancorada na Baía de Guanabara/RJ. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil.)

 

Atualmente, estão sendo implementadas medidas para fortalecer e regulamentar o conteúdo local, o que é positivo. No entanto, a PCL ainda carece ser assumida como uma estratégia de Estado.

 

Os índices de conteúdo local (CL) aumentaram significativamente a partir de 2003, tanto nos contratos de concessão quanto, posteriormente, nos de partilha. Os critérios foram tornando-se mais rigorosos e complexos, com percentuais estabelecidos entre mínimos e máximos e compromissos divididos em itens e subitens. Esse quadro ocorreu no contexto das descobertas e dos avanços exploratórios e produtivos no pré-sal e de grandes investimentos da Petrobras, peça-chave para alavancar a PCL.

 

 

Entretanto, alguns aspectos acabaram dificultando o cumprimento da PCL. Dentre eles, merece destaque a priorização da demanda das operadoras, especialmente da Petrobras, em detrimento do potencial de oferta da indústria nacional. Entre 2003 e 2014, os investimentos da Petrobras no segmento de E&P saltaram de US$ 3,02 bilhões para US$ 25,5 bilhões, impulsionando fortemente a demanda.

 

E esse crescimento não foi acompanhado por uma expansão adequada da oferta. Outro fator foi a crescente complexidade e detalhamento das exigências do CL, que, em certa medida, enrijeceram a política a ponto de exigir posteriores aditamentos dos contratos (waiver).

 

Nos anos seguintes, 2014 e 2015, a PCL foi fortemente impactada pela operação Lava Jato, pela queda do preço do petróleo no mercado internacional e pela desvalorização cambial.  Diante disso, a Petrobras reduziu seus investimentos e muitos projetos foram paralisados ou suspensos, provocando uma desmobilização da cadeia de fornecedores nacionais.

 

A partir de 2017, o CNPE definiu novos índices de CL, que passaram a ser aplicados pela ANP nas rodadas licitatórias sob concessão e partilha. Entre as mudanças, destacam-se a redução substancial das exigências de CL e a exclusão desses índices como critério de pontuação nas ofertas.

 

Além disso, em 2018, a ANP regulamentou, por meio da Resolução nº 726/2018, os mecanismos de isenção (waiver) e os pedidos de ajuste e transferência de excedente, trazendo a possibilidade de editar os contratos já firmados com as novas e reduzidas exigências de CL. De acordo com a ANP, centenas de contratos de blocos e campos tiveram os compromissos de conteúdo local atualizados.

 

A redução das exigências de CL, a diminuição dos investimentos da Petrobras e a possibilidade de revisões contratuais ocasionaram a desmobilização da cadeia nacional de óleo e gás e a perda de empregos. No setor naval, por exemplo, o número de trabalhadores nos estaleiros brasileiros caiu de mais de 80 mil trabalhadores em 2014 para próximo a 20 mil em 2022, conforme o Sinaval.

 

Vale ressaltar que, entre 2017 e 2022, houve uma aceleração dos leilões da ANP com as novas regras, dificultando ainda mais a participação dos fornecedores nacionais e intensificando a desmobilização da cadeia nacional.

 

Atualmente, o Governo Federal tem buscado medidas para ampliar os percentuais mínimos de CL. Nesse contexto, o CNPE estabeleceu novas diretrizes para definição de CL para os próximos ciclos de licitações de blocos offshore e a ANP incluiu esses percentuais nos editais.

 

Na fase de exploração, o percentual será elevado de 18% para 30%, enquanto na fase de desenvolvimento está previsto um acréscimo de 5 pontos percentuais para a construção do poço, chegando a 30%. Embora esse aumento seja importante, trata-se de uma medida que isoladamente não é suficiente para o pleno desenvolvimento de uma PCL. 

 

Por outro lado, no Congresso tramita o Projeto de Lei (PL) 7.401/2017 que visa estabelecer a PCL para atividades de E&P. Em geral, o PL define percentuais globais mínimos, indica diretrizes gerais das licitações e regula valores e a aplicação de multas por descumprimento das obrigações. 

 

 

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No entanto, apesar de ser fundamental para garantir segurança jurídica, o PL carece de maiores esclarecimentos quanto ao papel do órgão regulador, a definição de critérios, metas, prazos, segmentos produtivos priorizados, mecanismos para promoção da expansão da capacidade produtiva, da eficiência e produtividade, entre outros aspectos essenciais para a viabilização da política.

 

Em resumo, é importante que a PCL seja adotada como uma estratégia de Estado, se relacione com a política industrial nacional e avance a partir do marco regulatório. Não se trata de engessar a indústria de óleo e gás ou criar mecanismos punitivos por descumprimentos do CL[1], mas sim de ampliar os benefícios do petróleo para além da produção em si, promovendo a geração de empregos e impulsionando o desenvolvimento industrial e produtivo no país.

 

 

Nota

[1] O acompanhamento das multas decorrentes das fiscalizações da ANP sobre o descumprimento do CL podem ser consultadas em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiYjhhMzE0Y2EtNGZhYi00NTU2LWI1M2ItM2ZiNGRiZjNiMWNlIiwidCI6IjQ0OTlmNGZmLTI0YTYtNGI0Mi1iN2VmLTEyNGFmY2FkYzkxMyJ9 .

 


 

Artigo publicado originalmente na Revista Oil & Gas Brasil.