A guerra econômica e energética entre EUA e Rússia impactam o mundo inteiro

Rodrigo Leão
Broadcast Energia
A guerra econômica e energética entre EUA e Rússia impactam o mundo inteiro

No centro da guerra da Rússia e Ucrânia está o futuro do abastecimento de energia em diversos lugares no mundo, principalmente na Europa. A Rússia é um dos maiores players da indústria de gás natural do mundo sendo o principal fornecedor de gás natural para a Europa e um dos mais relevantes exportadores de GNL (gás natural liquefeito) para a região. Todavia, esse espaço é disputado pelos EUA com sua crescente produção de shale gas e o desenvolvimento da indústria de liquefação de gás natural. Os desdobramentos desse conflito energético, que colocam frente a frente o papel da Rússia e EUA no abastecimento energético global, já afetam toda a população global, com elevação de preços e possibilidade de escassez.

 

 

A guerra econômica e energética entre EUA e Rússia impactam o mundo inteiro

Protesto contra a guerra na Ucrânia em Berlim. Foto: Matti / Pexels.

Embora o estopim da crise que originou o conflito da Ucrânia seja o avanço da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) para o Leste Europeu e a estratégia da Rússia de aumentar sua influência em territórios – também do Leste Europeu – onde haja maioria de população russa, o gás natural é um aspecto que não pode ser negligenciado na guerra.

 

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Há uma espécie de “dilema energético” entre Rússia e EUA, envolvendo o fornecimento de gás natural para Europa. De um lado, com o crescimento da indústria de shale gas e das exportações de GNL, os EUA buscam aumentar sua inserção no abastecimento energético da Europa. De outro, a partir de gigantescas obras de investimentos em gasodutos realizados nos últimos anos, os russos esperam elevar a venda do seu gás natural para a Europa, mantendo seu protagonismo.

 

 

De 2016 a 2020, as exportações de GNL dos EUA cresceram mais de 15 vezes, saindo de 4 bilhões de metros cúbicos (bcm) para 61,4 bcm. Nesse período, foram construídos 17 novos terminais de liquefação nos EUA para exportar o shale gas que favoreceu, entre outras regiões, a própria Europa. Em 2020, de tudo que foi exportado de GNL dos EUA, 42% tiveram como destino a Europa. Pelo lado europeu, o GNL americano respondeu por 22% das importações, segundo dados da petrolífera britânica BP. Considerando todas as compras de gás natural (GNL e gasodutos), os EUA foram responsáveis por 5% das importações europeias.

 

 

No mesmo período, a produção de gás natural russa subiu 8% e de exportação de GNL mais que dobrou. Todavia, o gás russo enviado para Europa via gasodutos caiu 13%, embora as exportações de GNL tenham crescido, mas numa taxa menor que a americana. Ainda assim, em 2020, a Rússia foi responsável por fornecer 38% do gás natural recebido pela Europa por gasodutos e 15% do GNL. Ao todo, o país foi responsável por vender 33% de todo o gás consumido pela Europa.

 

 

Visando frear essa perda de importância, os russos buscam iniciar a operação do gasoduto Nord Stream 2 (liga o gás russo diretamente ao mercado alemão) que pode aumentar, em até quase 30%, a capacidade de fornecimento de gás natural para a Europa. Desde o início da sua construção, o gasoduto é alvo de críticas do governo americano. Em 2019, o senado impôs sanções à Rússia por conta desse projeto.

 

 

O senador republicano Jim Risch, à época, disse:

“A imposição de sanções que impedirão a conclusão do gasoduto Nord Stream 2 é uma ferramenta importante para combater a influência maligna da Rússia e proteger a integridade do setor de energia da Europa”.

 

 

A tentativa russa de manter sua influência energética na Europa tem provocado reações americanas, uma vez que o país visa ocupar crescentemente esse espaço. Esse pano de fundo é fundamental para entender o papel do gás natural no atual conflito Rússia e Ucrânia.

 

 

Uma possível adesão da Ucrânia à Otan faria com que todos os gasodutos que conectam o gás russo à Europa estivessem sob a mira das forças militares de algum país membro da Otan. Os gasodutos Nord Stream 1 e 2 passam próximos aos países bálticos (Estônia e Letônia), o gasoduto Druzbha passa pela Polônia, enquanto o Brotherhood corta a Eslováquia. O único gasoduto que atualmente não está próximo de fronteiras da Otan é o Turkstream que atravessa o Mar Negro, onde se encontra a Crimeia e a Ucrânia.

 

 

Os Estados Unidos e a Alemanha já concordaram em promover sanções para o uso do Nord Stream 2 e a entrada da Ucrânia na Otan é estratégica para que os Estados Unidos se aproximem do Turkstream. Por outro lado, a anexação da Crimeia e a ocupação do sul ucraniano estão relacionados ao interesse russo de manter a Europa dependente do seu gás natural.

 

 

Esse “choque estratégico” entre as duas regiões gera tensões para além de sanções que colocam em risco projetos futuros de investimento. Tais tensões promovem uma ameaça ao fornecimento atual de gás natural na Europa e no mundo, no contexto da guerra.

 

 

Ao bloquear a compra de petróleo russo, Biden coloca sob pressão os preços do barril que já vinham sob forte crescimento. As sanções financeiras impostas, por sua vez, dificultam e até impedem que as transações físicas de petróleo e GNL da Rússia sejam realizadas, gerando uma ameaça de escassez no fornecimento energético da Europa, assim como de outros países. A Forbes estima que já há uma interrupção, com os atuais níveis de sanções, do comércio de cerca de 3 milhões de barris por dia no mercado internacional. Se as sanções avançarem, de um lado ou de outro, a turbulência no mercado de gás natural tende a se agravar.

 

 

Essa possibilidade de escassez de oferta e altas de preços já é uma realidade. “A Europa poderia ficar sem 40 milhões de toneladas de gás natural – cerca de 10% de seu consumo anual – caso as remessas russas fossem interrompidas, pressionando a região a explorar fontes alternativas do combustível”, informou reportagem da publicação Nikkei Asia. O preço do contrato futuro TTF – referência na Europa – do gás natural atingiu, no último dia 07/03, seu recorde histórico.

 

 

A continuidade dessa disputa tende a agravar esse cenário. A guerra econômica e energética promovida por americanos e russos afetará o mundo inteiro, pressionando a oferta e preços em níveis não vistos nas últimas décadas.

 


 

Artigo publicado originalmente no Broadcast Energia.

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