A experiência do petróleo da Guiana e suas implicações para o Brasil
Le Monde Diplomatique Brasil
Desde 2015, a Guiana vivencia um boom econômico propiciado pela descoberta de reservas de petróleo cuja capacidade gira em torno de 11 bilhões de barris. Esse número corresponde a aproximadamente 75% das reservas brasileiras, que somam 14,8 bilhões de barris.
Exploradas, em grande medida, pela petrolífera estadunidense ExxonMobil, o petróleo guianês possibilita à empresa uma produção de 600 mil barris por dia (bdp) atualmente. Estima-se que, em 2027, a produção seja duplicada, atingindo 1,2 milhão bdp.
Os resultados já obtidos permitiram uma evolução muito rápida da economia da Guiana. Segundo dados do Banco Mundial, de 2015 a 2022, o país apresentou um crescimento significativo do Produto Interno Bruto (PIB), saltando de 0,7% para 63,4%, o maior do mundo.
Em 2023, de acordo com estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), a taxa alcançou 33%. Embora seja inferior, ela permaneceu alta e manteve a posição de liderança da Guiana no crescimento econômico global.
Essa experiência recente do país no setor de petróleo tem reverberações no âmbito regional, por exemplo, nas relações bilaterais com os vizinhos sul-americanos. No caso da Venezuela, a segurança da região foi colocada em risco por causa da tensão estabelecida por parte do governo de Nicolás Maduro.
A contenda histórica sobre os limites fronteiriços dos dois países, aliada à pujança guianesa no ramo petrolífero, motivaram o presidente venezuelano a realizar um referendo com o intuito de obter aprovação da população para anexar a região de Essequibo, parte integrante do território guianês.
No caso do Brasil, ainda durante a administração de Jair Bolsonaro, o governo já havia ensaiado uma aproximação à Guiana, visando a participação da Petrobras na exploração de poços de petróleo. Atualmente, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva pôs em serviço a diplomacia brasileira para mediar a tensão Venezuela-Guiana.
Tal ação não é meramente simbólica. Ao atuar como mediador de uma crise e evitar a ameaça de um conflito, o Brasil busca reverter o isolamento externo a que ficou relegado nos anos de Bolsonaro, angariar capital político com o objetivo de manter a América do Sul como uma zona de paz e posicionar-se como líder regional.
O novo potencial econômico da Guiana possibilita uma renovação da integração sul-americana também do ponto de vista político. A formação de uma identidade política regional, materializada na União das Nações Sul-americanas (Unasul), consistiu em um dos principais projetos da política externa dos dois primeiros governos Lula.
Embora a Guiana já fizesse parte da Unasul, historicamente ela sempre esteve mais voltada para a região do Caribe. Com a descoberta das reservas de petróleo, o país atrai as atenções dos vizinhos e pode passar a ser visto de fato como parte da América do Sul.
No entanto, continuará atraindo também o interesse de potências extrarregionais, sobretudo aquelas cuja presença na região caribenha é marcante, notadamente, os Estados Unidos. Além da penetração das grandes petrolíferas, o governo estadunidense também trabalha para estreitar pontes com o governo guianês, com o intuito de desenvolver parcerias no setor energético e de meio ambiente.
Paralelamente, aproveitando-se do crescimento guianês, o Brasil também pode se beneficiar ao aprofundar laços de cooperação em diversas áreas, como a energética. Esse movimento brasileiro serve, também, como forma de competir com a presença dos Estados Unidos, tanto politicamente quanto economicamente, ao buscar envolver a Petrobras nos negócios da Guiana.
A experiência do vizinho ao Norte pode ser positiva para a própria Petrobras e para o governo do Brasil, tendo em vista as possibilidades de exploração de petróleo na Margem Equatorial brasileira.
Ao observar os caminhos adotados até o momento na Guiana, será possível observar os erros e os acertos, bem como conciliar o discurso da defesa do meio ambiente no âmbito internacional com a necessidade do desenvolvimento da região norte do Brasil.
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O crescimento robusto guianês mostra que não se pode prescindir da oportunidade de extração de petróleo nesse território, afinal a Petrobras tem larga expertise na exploração em águas ultraprofundas. E isso não significa abandonar os esforços na implementação de ações de transição energética, um setor no qual o Brasil já está na vanguarda.
Além do desenvolvimento e da geração de empregos, a renda obtida da possível exploração de petróleo na margem equatorial poderá servir para pavimentar ainda mais o caminho da transição, permitindo mais investimentos em fontes energéticas sustentáveis.
Artigo publicado originalmente no Le Monde Diplomatique Brasil.