A desarticulação do parque tecnológico de petróleo

Paola Azevedo

Por Paola Azevedo.


Mudança nas regras e a redução do papel da Petrobras ameaçam os esforços recentes em pesquisa e inovação.


A participação do setor de petróleo e gás natural no Produto Interno Bruto cresceu de 3% em 2000 para 11% em 2016, segundo a Agência Nacional do Petróleo, especialmente em virtude dos investimentos realizados pela Petrobras, consolidando o setor como vetor crucial no desenvolvimento econômico brasileiro.

Este crescimento e participação expressiva no PIB é resultado, entre outros fatores, de uma trajetória histórica e articulada de investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação que envolve a participação da transnacional pública, universidades, fornecedores e institutos de pesquisa e regulamentações atreladas ao setor, decorrentes desta trajetória e evolução.

O dinamismo vinculado ao setor de petróleo e gás e a necessidade contínua de vencer desafios tecnológicos torna a PD&I e aquisição de novos conhecimentos essencial para o avanço na produção e exploração em águas profundas e ultraprofundas e para o desenvolvimento do parque tecnológico do País.

Desde sua origem em 1953, a Petrobras estava direcionada para a emancipação da economia brasileira e visava desenvolver o setor petrolífero e propiciar a diminuição da dependência de petróleo, o que foi possível ao longo de mais de seis décadas por meio de investimentos contínuos em PD&I. Estas atividades estavam inicialmente concentradas na Fundação do Centro de Aperfeiçoamento e Pesquisa de Petróleo (1955), e desde 1966 no Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello.

A partir da Lei 9.478/1997, conhecida como Lei do Petróleo, este investimento tornou-se mais amplo em virtude da obrigatoriedade de realização de despesas qualificadas em PD&I. Os leilões de concessão para exploração e produção do petróleo realizados a partir da década de 2000 introduziram uma cláusula de PD&I presente nos contratos para exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural que incentiva a pesquisa e a utilização de novas tecnologias para o setor.

Conforme a ANP, instituída por esta mesma lei, nos contratos de concessão, a cláusula de PD&I determina que os concessionários devem investir 1% da receita bruta da produção dos campos que pagam participação especial em PD&I.

A participação especial é uma compensação financeira extraordinária que deve ser paga pelos concessionários de exploração e produção de petróleo ou gás natural para campos de grande volume de produção. Na exploração dos campos do pré-sal, realizados sob os contratos de partilha de produção e de cessão onerosa, essa cláusula foi preservada.

Nos contratos de partilha, o valor é de 1%, enquanto na cessão onerosa a obrigação é de 0,5% da receita bruta anual dos campos situados nos blocos definidos nos contratos. Tanto a apuração da participação especial quanto o destino dos recursos dela provenientes seguem atualizações e distribuições existentes na legislação.

Partindo desta obrigatoriedade intitulada participação especial, a Petrobras criou em 2006 um novo modelo de parceria tecnológica com as universidades e institutos de pesquisas no Brasil, as redes temáticas e os núcleos regionais, sob a gestão do então presidente José Sérgio Gabrielli, a fim de direcionar esses investimentos obrigatórios de forma articulada e garantir a sustentabilidade do processo de desenvolvimento de PD&I.

Na atualidade a empresa relaciona-se com mais de cem universidades e instituições nacionais de pesquisa por meio deste modelo de parceria tecnológica que é coordenado pelo Cenpes e vinculado a todas as áreas da empresa envolvidas com o Sistema Tecnológico da Petrobras, que se caracteriza como a empresa com maior investimento em C&T no País.

A partir da identificação de temas estratégicos na área de petróleo e gás foram formadas redes com instituições distribuídas pelo Brasil. Os investimentos realizados pela empresa permitem às instituições conveniadas a implantação de infraestrutura, criação de laboratórios e aquisição de equipamentos com padrão de excelência, formação e aprimoramento de pesquisadores e recursos humanos e desenvolvimento de projetos de PD&I em cinco grandes áreas, exploração, produção, abastecimento, gás natural, energia e desenvolvimento sustentável e gestão tecnológica, que englobam quarenta e nove redes temáticas.

Os projetos que constituem as redes são desenvolvidos de forma colaborativa entre as instituições reconhecidamente competentes nos temas selecionados. A rede temática é um modelo de relacionamento com as instituições de ciência e tecnologia do Brasil, e por meio do qual a empresa participa do desenvolvimento do parque tecnológico.

Além das redes temáticas, foram criados sete núcleos em regiões de grande atividade operacional da empresa, nas quais há uma instituição de ensino e pesquisa que atua no sentido de atender as demandas tecnológicas peculiares da sua região. Estes núcleos objetivam realizar atividades ligadas à reforma e criação de infraestrutura, formação e capacitação de recursos humanos, desenvolvimento de projetos de PD&I, bem como a prestação de serviços tecnológicos relevantes para o setor.

Desde o princípio de sua formação, os núcleos atuam no sentido de criar infraestrutura e desenvolver PD&I, fomentando assim o desenvolvimento da região onde estão instalados. Por sua vez, as redes temáticas possibilitam uma distribuição de recursos descentralizada, proporcionando o atendimento de projetos de PD&I e criação de infraestrutura em todo o território brasileiro.

Em conjunto, os núcleos e as redes gerenciam recursos investidos nas universidades e nos institutos de pesquisa, sob a forma de projetos, fortalecem e aperfeiçoam a trajetória histórica de parceria com a comunidade de ciência e tecnologia, bem como fomentam a pesquisa de fronteira no Brasil, especialmente aquelas ligadas à exploração e produção em águas profundas e ultraprofundas. Destaca-se ainda o fortalecimento do setor de Petróleo e Gás por meio do desenvolvimento tecnológico reconhecido em nível mundial, e, sobretudo, a participação ativa no desenvolvimento econômico.

A dimensão da articulação e sistematização do investimento em PD&I da Petrobras pode ser visualizada também por meio dos valores investidos. Conforme a ANP, o valor total acumulado para investimentos em PD&I no período de 1998 até o terceiro trimestre de 2017 foi de 12,9 bilhões de reais, decorrentes de contratos assinados sob o regime de concessão e cessão onerosa.

A Petrobras investiu em torno de 12 bilhões de reais neste período e o restante, 896 milhões de reais, foi proveniente de investimentos de outras empresas petrolíferas. A maior parte dos recursos de outras empresas advêm dos últimos três anos (2015, 2016 e três primeiros trimestres de 2017), que representam mais de 50% do total investido por estas empresas desde 2004, ano da primeira participação. Por outro lado, a Petrobras, que investe em PD&I por meio da participação especial desde 1998, momento em que passou a vigorar a obrigação, reduziu significativamente sua participação nos últimos três anos em comparação aos anos anteriores.

Em 2014, o volume total de obrigações geradas pela empresa para PD&I foi de 1,248 bilhão de reais. Em 2015, 2016 e 2017 foi respectivamente de 898 milhões, 713 milhões e 713 milhões. Há fatores conjunturais que afetam diretamente esta participação, entretanto, a mudança de gestão da empresa, de legislação e aumento de participação de outras multinacionais na exploração de petróleo e gás em território brasileiro tem forte impacto nestes resultados.

Na atualidade, 15 empresas petrolíferas têm participação nos campos produtores de petróleo e gás natural que geraram obrigações de investimentos em PD&I. A maior parte destes campos ainda fazem parte da Petrobras. Nos últimos três anos, incluindo os três primeiros trimestres de 2017, ocorreu, porém, o aumento de participação de outras empresas petrolíferas no setor de petróleo e gás brasileiro.

Estas passaram a ter obrigações de PD&I em alguns campos, tais como: 100% da PGN no Campo Gavião Real da bacia sedimentar terrestre da Parnaíba, 45% da Queiroz Galvão, 10% da Brasoil e 10% da Geopark no campo de Manati na bacia sedimentar marítima de Camamu, 50% da Shell, 27% da ONGC e 23% da QPI nos campos de Argonauta e Ostra na bacia sedimentar marítima do Espírito Santo, 80% da Shell no campo de Bijupirá, 60% da Statoil e 40% da Sinochem no campo Peregrino, 100% da PetroRio no campo polvo, 51,7391% da Chevron e 18,2609% da Frade Japão no campo Frade, 10% da Repsol-Sinopec no campo de Albacora Leste, todos estes na Bacia sedimentar marítima de Campos, 25% da Shell e 10% da Petrogal no campo Lula, e 30% da Shell e 25% da Repsol-Sinopec no campo Sapinhoá, ambos campos situados na bacia sedimentar marítima de Santos.

Embora o investimento em PD&I seja indiscutivelmente relevante e essencial para o desenvolvimento de tecnologias e fortalecimento do setor de petróleo e gás no Brasil, na prática esta mudança na alocação de recursos de obrigação decorrente do aumento de participação de outras empresas no setor de petróleo e gás e a redução da participação da Petrobras apresentadas anteriormente podem se tornar uma ameaça. Isto, pois, o desenvolvimento das tecnologias de fronteira, especialmente aquelas vinculadas ao pré-sal, e a posição de destaque em nível internacional alcançada pelo Brasil neste setor é resultado de um plano estratégico de longo prazo, em conjunto com universidades e empresas fornecedoras, articulado e coordenado pelo Cenpes, e que dependem da aplicação de recursos contínuos e sistematizados pela Petrobras em PD&I.

Dentre as 49 redes temáticas coordenadas pela Petrobras, destacam-se os estudos de técnicas avançadas de geofísica para exploração e reservatórios, nos campos de aquisição, processamento, inversão, monitoramento e interpretação geofísicas, relativos à rede de geofísica aplicada, vinculados à área de exploração. Também são relevantes as pesquisas sobre estimulação de poços produtores em reservatórios carbonáticos e de reservatórios de baixa permeabilidade, a melhora da performance de perfuração de poços profundos, hidráulica de perfuração, sistemas de fluidos, segurança de poços, e modelagem geomecânica vinculados a rede de engenharia de poços na área de produção.

Além desta, vale citar os projetos de materiais nanoestruturados, compósitos, interfaces e dispositivos de nanotecnologia molecular relacionados a rede de nanotecnologia aplicada à indústria de energia na área de gás natural, energia e desenvolvimento sustentável.

Estas são apenas algumas das redes temáticas e pesquisas que podem ser afetadas ou mesmo extintas com a redução dos investimentos da Petrobras em PD&I, em virtude da crescente entrada de multinacionais na exploração de petróleo e gás no Brasil. Além destas redes consolidadas de pesquisas, estudos acerca de novas tecnologias importantes para o desbravamento e o crescimento do setor, como a robótica subaquática, sondagens de alta pressão e alta temperatura, nanotecnologia, materiais autorregenerativos, perfuração a laser, modelagem de fluxo de sísmica 4D, dentre outras tecnologias de fronteira, estão ameaçadas.

Desta maneira, é possível que no médio e longo prazo, o aumento destas multinacionais e de outras empresas petrolíferas em campos que geram participação especial para aplicação em PD&I culmine na desarticulação dos núcleos e das redes temáticas de pesquisa de petróleo e gás instituídas e coordenadas pela Petrobras, prejudique o desenvolvimento de novas tecnologias essenciais para o setor de petróleo e gás e, sobretudo, fragilize o desenvolvimento sistematizado e estratégico do parque tecnológico do País, que tem uma trajetória histórica de construção impulsionada pela estatal.

Artigo publicado na Carta Capital.

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