A danação da história e a disputa pelo futuro

Jornal do Brasil

O mais provável é que a equipe econômica do governo seja demitida e substituída por algum outro grupo de economistas que atenue os traços mais destrutivos do programa ultra-liberal do governo.

 

O mais provável é que a equipe econômica do governo seja demitida e substituída por algum outro grupo de economistas que atenue os traços mais destrutivos do programa ultra-liberal do governo. Mesmo assim, não estará afastada a possibilidade de que o próprio presidente seja substituído por algum dos seus aliados dessa coalisão de extrema-direita construída de forma apressada e irresponsável, em torno de uma figura absolutamente ignorante, despreparada e insana. Mas se nada disso acontecer e as coisas seguirem se arrastando e piorando nos próximos tempos, o mais provável é que as forças de extrema-direita venham a ser fragorosamente derrotadas nas próximas eleições presidenciais.

O problema é que, quando isto ocorrer, o Brasil já terá completado mais uma “década perdida”, o que torna ainda mais difícil de prever e planejar o que acontecerá, e o que possa ser feito na década de 2020 para retirar o país do caos. Entretanto, é indispensável e urgente que se imagine e reflita sobre esse futuro, para não repetir erros passados. Para tanto, o melhor caminho é começar pela releitura do próprio passado e, em seguida, analisar com mais atenção o caso de alguns países que fizeram idênticas escolhas, e que vão antecipando as consequências do rumo adotado pelo Brasil.

Comecemos, portanto, de forma extremamente sintética, pela década de 80 do século passado, quando o “desenvolvimentismo sul-americano” entrou em crise e foi abandonado por todos os países do continente, onde ele havia sido hegemônico desde o fim da II Guerra Mundial. Esse colapso ocorreu de forma simultânea com a “crise da hegemonia americana” da década de 70, e com a mudança da estratégia econômica internacional dos Estados Unidos durante o governo de Ronald Reagan, na década de 80.

Virada neoliberal

Foi nesse período que se deu a grande “virada neoliberal” da América do Sul, quando as elites políticas e econômicas do continente adotaram em conjunto, e quase simultaneamente, o mesmo programa de reformas e políticas liberais preconizado pelo que se chamou, na época, de “Consenso de Washington”. No entanto, em todos os países em que foram aplicadas, essas políticas neoliberais produziram baixo crescimento econômico e aumento das desigualdades sociais. E na entrada do novo milênio, os resultados negativos contribuíram para que a América do Sul fizesse uma nova meia-volta, desta vez “à esquerda”, aproveitando-se do vácuo criado na região pela guerra global ao terrorismo, o que deslocou a atenção dos Estados Unidos para o Oriente Médio.

Em poucos anos, quase todos os países do continente elegeram governos de orientação nacionalista, desenvolvimentista ou socialista, com uma retórica anti neoliberal e com um projeto econômico cujo denominador comum apontava numa direção muito mais nacionalista e desenvolvimentista do que liberal. Foi nesse período, já na primeira década do novo milênio, que o Brasil e alguns outros países do continente decidiram aumentar o controle estatal ou reestatizar diretamente seus recursos energéticos, como aconteceu na Venezuela, depois da descoberta das suas grandes reservas de petróleo do Orinoco, no Brasil depois da descoberta do petróleo do pré-sal no Brasil , e na Argentina, depois da descoberta das suas reservas de gás não convencional da Patagônia. E a América do Sul retomou então seu velho projeto de integração regional, agora sob a liderança brasileira, com a ampliação do Mercosul e a criação da Unasul.


Artigo publicado no Jornal do Brasil.

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