À custa da venda de ativos, Petrobras atinge lucro recorde em 2019
Carta Capital
Na quarta-feira 19, a Petrobras divulgou os resultados operacionais e financeiros do ano passado em seu balanço. Segundo os dados, o lucro líquido em 2019 foi o maior já registrado na história, atingindo os 40,1 bilhões de reais. O número, no entanto, foi impulsionado pela estratégia de venda de ativos, que abre dúvidas sobre a capacidade de crescimento dos resultados no futuro. O Instituto de Estudos Estratégicos do Petróleo e Gás Natural (Ineep) estudou o balanço e aponta os principais destaques do resultado e comenta seus efeitos para o presente e futuro da companhia.
Destaques:
- O resultado recorde da companhia está relacionado com 1) a agressiva venda de ativos, resultado da política de desinvestimentos; 2) a diminuição das despesas operacionais (resultado também da venda de subsidiárias, como a TAG) e menores contingências (como acordos, multas e processos judiciais); 3) o crescimento das exportações de petróleo cru, resultante do aumento de produção nos campos do pré-sal; e, 4) a expansão do fluxo de caixa livre ocasionado pela redução drástica dos investimentos;
- A receita total líquida, no entanto, foi 2,6% menor ao registrado no ano anterior, fechando 2019 em 302,2 bilhões de reais. Segundo a empresa, isso aconteceu em virtude: 1) da redução do preço do petróleo Brent em reais; 2) o menor volume produzido de derivados, que foram vendidos a preços menores aos praticados em 2018; e, por fim, 3) a queda de receitas das unidades do exterior, resultado da política de desinvestimentos;
- No que tange aos investimentos, a redução foi de 14,8%. Dos 27,4 bilhões de dólares investidos em 2019, 80% foram destinados para o setor de Exploração e Produção (E&P).
- O Lucro Líquido e o EBITDA ajustado (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) foram de 40,1 bilhões de reais e 129,2 bilhões de reais, respectivamente. Em comparação ao ano anterior, o EBITDA teve um crescimento de 12,5% enquanto o Lucro Líquido cresceu 55,7%.
Com o lucro líquido de 40,1 bilhões de reais, a Petrobras obteve uma expressiva melhora nos seus resultados financeiros em 2019. Parte desse resultado positivo pode ser explicado pelo crescimento da produção de petróleo, sobretudo nos campos do pré-sal, que fizeram com que a companhia registrasse uma produção média de 2,7 milhões de barris por dia (bpd), um aumento de 6,4% em relação ao ano passado.
Esse aumento da produção ocorreu em decorrência dos novos sistemas de produção e, principalmente, devido ao ramp-up (entrada em operação) de 8 novos sistemas produtores. Por conseguinte, o aumento da produção petrolífera também impulsionou expansão das exportações, fazendo com que a receita nesse segmento saltasse dos 56,1 bilhões de reais, em 2018, para 71,6 bilhões, em 2019, representando um crescimento anual de 27,6%. Esse resultado impactou diretamente os resultados financeiros do setor de Exploração e Produção (E&P), que obteve um crescimento de 12,9% em 2019, ao auferir um lucro operacional de 75,0 bilhões.
Já o setor de Refino registrou queda em suas receitas operacionais, encerrando 2019 com lucro operacional 39,5% inferior ao registrado em 2018, que foi de 6,4 bilhões de reais. Esse resultado está associado tanto com a diminuição na produção de derivados em 2,5%, assim como na redução das receitas líquidas dos derivados para o mercado interno, uma queda de 4,5% quando comparado ao ano anterior. Esse resultado negativo foi puxado especialmente pela queda de vendas na gasolina, óleo combustível e nafta, que só em 2019 registraram uma retração de, respectivamente, 9,4%, 11,1% e 27,0%.
Vale ressaltar que essa queda acontece em um contexto no qual o mercado brasileiro de derivados registrou crescimento de 2,9%. Isso evidencia, portanto, a redução do market share da Petrobras no setor, fruto de sua política de preços alinhada com preço internacional (PPI) que favorece a entrada de importadores e, ao mesmo tempo, mantém preços elevados para os consumidores. Esta é uma situação que pode se agravar ainda mais com a decisão da Petrobras em vender 50% do seu parque de refino, o que, pelas características da infraestrutura petrolífera do Brasil, tenderá a criar monopólios privados regionais de derivados capazes de determinar localmente preços superiores aos atuais.
Política de desinvestimento
O crescimento do lucro operacional do E&P e a retração no setor de Refino são reflexos da política de desinvestimentos da companhia, cuja estratégia consiste em desfazer os ativos do downstream (refino, transporte, distribuição etc) para se dedicar quase exclusivamente nas atividades upstream (exploração e produção). Aliás, grande parte do resultado financeiro do ano está relacionado com a venda dos ativos da companhia – à exemplo da TAG, da BR Distribuidora, da refinaria de Pasadena, do centro de distribuição do Paraguai, além de campos em águas rasas, nas Bacias de Campos e Santos, entre outros. Somente com essas vendas, a Petrobras conseguiu em um ano auferir 41,0 bilhões de reais.
Consequentemente, outro fator que merece atenção no aumento recente do caixa financeiro da Petrobras em 2019 é a significativa redução nas despesas operacionais da companhia. Com os custos de operação 29,6% menores aos registrados em 2018, a grande redução dessas despesas ocorreu em virtude do ganho com venda de ativos, muito embora no último trimestre ela tenha obtido um aumento significativo em decorrência de despesas exploratórias para a extração de óleo e gás.
Um fenômeno parecido ao que tem ocorrido nos índices de endividamento da companhia. Em 2019, o endividamento líquido da companhia apresentou crescimento de 4,6%. Dessa forma, o índice relação dívida líquida / EBITDA ajustado subiu de 2,34, em 2018, para 2,460, em 2019. Segundo com a Petrobras, essa alavancagem da dívida ocorreu devido ao uso de recursos para pagamento de bônus referente ao leilão do excedente da Cessão Onerosa.
Por fim, cumpre salientar que a estratégia de desinvestimento como forma de reduzir tanto o endividamento da companhia como seus custos operacionais parece ter encontrado os seus limites. Embora essa política represente uma expressiva geração imediata de receita, esse movimento é incapaz de manter a geração de caixa operacional sem que se aumente os gastos com investimentos.
Tendo em vista que a atual gestão da Petrobras, além de vender ativos, concentra a sua carteira de investimentos quase exclusivamente no E&P, esse movimento corre um risco ainda mais grave de tornar as receitas da empresa mais suscetíveis às oscilações internacionais do petróleo. Uma vez que a companhia está se desfazendo de seus ativos downstream que, como acontece com as refinarias, são aqueles capazes de gerar resultado mesmo no ciclo de baixa do barril do petróleo.
Não obstante o fato de que boa parte da dívida tem sido quitada por meio da geração de receitas operacionais – o que comprova, na prática, que a Petrobras tem plenas condições de recuperar sua saúde financeira sem a necessidade de vender ativos – o recente aumento da dívida líquida é um claro sinal de que, cedo ou tarde, a companhia precisará de recursos para investir em novos projetos, o que poderá não ser possível no longo prazo caso a empresa continue a se desintegrar por meio da venda de suas subsidiárias.
(*) Rafael Rodrigues da Costa é mestrando em Ciências Sociais pela Unifesp, pesquisador visitante do NEC/UFBA e pesquisador do Ineep.
Artigo originalmente publicado em Carta Capital.
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