A conjuntura global de energia: o ano de 2024 em retrospectiva

André Leão
Jornal GGN
Imagem de um mapa-múndi noturno com iluminação em alguns áreas, representando a geopolítica global de energia. Foto: dMz Pixabay.

O ano de 2024, a exemplo do ano anterior, foi palco de marcos importantes que representam desafios ao futuro da governança global de energia e ao combate às mudanças climáticas.

 

A continuidade da guerra entre Ucrânia e Rússia e o alastramento do conflito capitaneado por Israel no Oriente Médio, o avanço da China no desenvolvimento de políticas de transição energética, a ação da União Europeia visando frear a penetração chinesa no continente, o posicionamento do Brasil em relação à integração energética na América do Sul, os resultados limitados da COP29 quanto ao financiamento climático, a liderança brasileira no G20 e a nova expansão do BRICS+ foram temas de destaque em 2024 e devem ser observados com cuidado em 2025.

 

Imagem de um mapa-múndi noturno com iluminação em alguns áreas, representando a geopolítica global de energia. Foto: dMz Pixabay.

Além disso, a presidência de Trump deve chacoalhar o tabuleiro do sistema internacional, tendo em vista sua contrariedade ao multilateralismo e à cooperação internacional. (Foto: dMz Pixabay.)

 

Os conflitos em curso tendem a continuar enviando sinais de instabilidade ao mercado internacional de petróleo, aprofundando os desafios à geopolítica global de energia.

 

O conflito russo-ucraniano completará três anos em fevereiro, e sua continuidade levou à União Europeia (UE) a continuar impondo sanções à Rússia, com o objetivo de privar o país de obter receitas para financiar a guerra.

 

No Oriente Médio, o conflito finalmente dá sinais de se aproximar de uma resolução após o anúncio do acordo de cessar-fogo entre Israel e Hamas. Embora o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, inicialmente tenha ameaçado não cumprir o acordo, a troca de reféns tem sido implementada paulatinamente.

 

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No entanto, o histórico conturbado entre Israel e Palestina e o papel de atores externos – como os Estados Unidos, cujo presidente Donald Trump defendeu recentemente a realização de uma espécie de “limpeza” em Gaza – geram temores sobre o futuro da governança global de energia.

 

Aliado a isso, o aparecimento de novos atores, sobretudo os Houthis, impactou diretamente o funcionamento dos fluxos comerciais de petróleo e de gás natural, principalmente no Estreito de Bab el-Mandeb, localizado no Golfo de Aden, entre o Iêmen e Djibouti.

 

A incursão dos Houthis representou um elemento adicional de pressão sobre os interesses econômicos dessas grandes potências, que realizaram ataques ao grupo para evitar um estrangulamento das rotas marítimas por onde passam embarcações de transporte do combustível fóssil.

 

As instabilidades oriundas dessa conjuntura evidenciam a necessidade de garantia da segurança energética, o que implica diversificar as matrizes de energia. Nesse contexto, políticas públicas voltadas para a transição a fontes mais sustentáveis tendem a ganhar espaço.

 

Esse é o caso da China, cujo governo anunciou um Plano de Ação para a economia de energia e a redução de emissões de carbono no período 2024-2025, com o intuito de cumprir as metas estabelecidas no 14º Plano Quinquenal (2021-2025).

 

Não obstante os desafios importantes a serem superados para o alcance desses objetivos, são inegáveis os avanços conquistados até o momento atual.

 

O engajamento do Estado chinês na implementação de energias de baixo carbono impactará a geopolítica global de energia. Além de poder transformar profundamente a matriz energética no mundo, contribuindo paulatinamente para a redução do uso de combustíveis fósseis, a liderança do país representa um desafio comercial e tecnológico para outros países e blocos econômicos, por exemplo, a UE e os Estados Unidos.

 

A crescente exportação de produtos chineses para o continente europeu, como o biodiesel e os veículos elétricos, levou as autoridades europeias a adotarem uma postura protecionista.

 

No segundo semestre de 2024, a UE anunciou duas medidas visando proteger o seu mercado interno. No fim de agosto, decidiu adotar tarifas antidumping provisórias contra o biodiesel chinês, que passaram a ter valores entre 12,8% e 36,4%. E, no início de outubro, resolveu impor tarifas de até 45% a veículos elétricos da China.

 

Em que pese o alto protecionismo do bloco, vale ressaltar que a penetração de produtos chineses concorre com os interesses econômicos dos Estados Unidos na Europa, o que pode servir como mais um estímulo à guerra comercial entre este país e a China.

 

Em um momento no qual a UE busca reduzir sua dependência energética da Rússia e diminuir, substancialmente, o uso de fontes fósseis de modo autônomo, o comércio com a China poderia ajudar o bloco a acelerar o processo de transição energética, ao descarbonizar a matriz com a entrada de mais veículos elétricos.

 

A propósito, na América do Sul, o fomento do comércio regional de gás natural pode representar uma oportunidade relevante para a descarbonização de setores industriais do Brasil e dos países vizinhos, mas isso depende da retomada dos projetos de integração energética. Nesse sentido, destacam-se os esforços do governo brasileiro nas negociações com a Argentina para importar gás de xisto do campo de Vaca Muerta.

 

Em novembro do ano passado, ambos os países assinaram um memorando de entendimento que criou um grupo de trabalho bilateral para viabilizar esse projeto. A princípio, estima-se uma oferta de 2 milhões de metros cúbicos por dia, que deve aumentar para 10 milhões em três anos, atingindo 30 milhões em 2030.

 

Ademais, apesar da queda constante de produção e fornecimento do gás natural da Bolívia nos últimos anos, o país anunciou, em julho, a descoberta de uma grande reserva de 1,7 trilhão de metros cúbicos, o que pode dar novo fôlego ao comércio sul-americano.

 

Além da esfera regional, o Brasil buscou retomar protagonismo global, tendo sido bem-sucedido no exercício da presidência do G20 ao longo do ano.

 

O governo Lula conseguiu emplacar temas caros à agenda de política externa, como a agenda de combate à fome e à pobreza, a reforma das instituições internacionais, a transição energética e o combate às mudanças climáticas. Esta última temática foi trabalhada tendo como alvo a liderança brasileira na realização da COP30, este ano, em Belém, que terá grandes desafios a serem superados. 

 

O principal deles é o retorno de Trump à presidência dos Estados Unidos a partir deste mês, o que certamente constitui um fator que pode colocar em xeque os avanços da agenda proposta pelo Brasil, minando a importância dos fóruns multilaterais como instâncias decisórias.

 

O problema do financiamento para a consecução das metas ambientais oriundas do Acordo de Paris foi um dos elementos que levaram a um fracasso relativo da COP29. Com a chegada de Trump, qualquer tipo de ambição em relação a ações de mitigação deve ser abandonada, sobretudo quando se considera o seu histórico de aversão a pautas ambientais.

 

A exemplo de seu primeiro mandato (2017-2021), espera-se que ele retire os Estados Unidos do Acordo de Paris e implemente políticas que garantam novo fôlego à indústria petrolífera.

 

Além disso, a presidência de Trump deve chacoalhar o tabuleiro do sistema internacional, tendo em vista sua contrariedade ao multilateralismo e à cooperação internacional.

 

As relações com a América Latina, por exemplo, já foram imediatamente tensionadas em sua primeira semana como novo governantes, após a implementação de um dura política de deportações em massa, o que levou a reações firmes dos governos do Brasil e da Colômbia.

 

Além disso, ele já ameaçou taxar os países do BRICS+ em 100% caso decidam substituir o dólar por outra moeda para transações comerciais, provavelmente temendo a recente expansão do bloco, liderado pela China.

 

 

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Como o BRICS+ representa o fortalecimento do Sul Global em relação ao mundo desenvolvido e aprofunda a estratégia da China de ampliar sua esfera de influência global, ele serve como instrumento para acirrar a competição com os Estados Unidos por espaços de poder, por exemplo, no Oriente Médio.

 

Ao ter atuado como mediador na retomada das relações bilaterais entre o Irã e a Arábia Saudita, a China fortalece sua liderança em escala global e rivaliza com a posição dos Estados Unidos na região. Resta observar qual direção o governo Trump adotará no seu primeiro ano de administração.

 


 

Artigo publicado originalmente no jornal GGN.