A Austrália comprova a estratégia agressiva das majors no setor de gás natural

Rodrigo Leão
Broadcast Energia
A Austrália comprova a estratégia agressiva das majors no setor de gás natural
Dos dez terminais de LGN existentes na Austrália, sete foram construídos após 2015.

Austrália é um exemplo de que as grandes petrolíferas estão sempre em busca de novas oportunidades de mercado do gás natural. Foto: The Grenfell Record.

No último artigo publicado no Broadcast Energia, fiz uma reflexão sobre a atuação das grandes majors europeias para reduzir a dependência daquele continente do gás natural russo. Como observei, entre as estratégias utilizadas por essas empresas estão os investimentos “casados” na produção de gás natural e em terminais de liquefação do gás. Com isso, as majors podem viabilizar a exportação de liquefeito de gás natural (LGN) para a Europa, reduzindo a importância do gás natural russo para atender a demanda europeia.

Dessa forma, pretendi apontar para o leitor que o mercado de LGN, no caso europeu, constitui uma forma de dar maior “flexibilidade” à indústria de gás natural. Isto é, a ascensão do LGN permite aos países o abastecimento dos seus mercados por diferentes tipos de logística em vez dos gasodutos.

Essa flexibilização gerou uma transformação importante não apenas na Europa, mas também em outros países e empresas produtoras de gás natural. Um caso importante é o da entrada das grandes majors na Austrália.

O gás natural na Austrália

Localizada na Oceania, a Austrália apresentava dificuldades para explorar suas grandes reservas de gás natural. Por um lado, em função da sua localização isolada os australianos possuem barreiras logísticas “naturais” para exportar o gás natural por meio de gasodutos. Por outro, em razão do mercado interno relativamente pequeno, o país também não apresentava uma demanda suficiente para desenvolver as suas fronteiras exploratórias.

Segundo um estudo coordenado pelo pesquisador da CNOOC Research Institute, Gongcheng Zhang, dos dez maiores campos descobertos de gás natural, de 1970 a 2000, quatro estavam localizados na plataforma continental noroeste da Austrália, em três diferentes bacias (North Carnarvon, Browse e Bonaparte). Nesse período, somente a Rússia teve descobertas superiores às australianas. Apesar disso, segundo dados da BP, em 2000, a Austrália era apenas a décima sétima maior produtora de gás natural, atrás de países com um volume bem inferior de reservas como Malásia e Argentina.

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No entanto, a partir da construção de diversos terminais de LGN associada ao grande potencial exploratório de gás convencional e não convencional das camadas de carvão (coalbed methane – CBM), esse cenário se alterou radicalmente. Isso porque as fronteiras exploratórias e os terminais de LGN, que viabilizaram a exportação de parte do gás natural, alavancaram a produção australiana. A Austrália, de 2000 a 2019, saltou da décima sétima para sétima posição entre os maiores produtores mundiais de gás natural.

Como observei no início desta coluna, esse processo de expansão da exploração de gás natural concomitante à construção de novos terminais de LGN foi patrocinado pelas majors de petróleo, principalmente depois de 2015. Daquele ano até 2019, a produção de gás natural na Austrália mais do que dobrou, e a capacidade de exportação de LGN cresceu mais de 165%.

Dos dez terminais de LGN existentes na Austrália, sete foram construídos após 2015, sendo quatro destinados ao gás convencional e três ao CBM, e atualmente representam 73% de toda a capacidade de liquefação de gás da Austrália. Isso significa que, de 2015 e 2018, tal capacidade aumentou 83,5 bilhões de metros cúbicos, chegando a um total de 115 bilhões de metros cúbicos em 2019. Em todas as sete unidades, as majors se posicionaram ou como operadoras desses empreendimentos ou como sócias.

Participação das majors no gás australiano

Nos quatro terminais de processamento do gás convencional, a Shell é operadora em dois deles (Prelude e Queensland Curtis), a Chevron em um (Wheatstone) e a Total é sócia do terminal de Ichthys que é operado pela japonesa Inpex. Cabe destacar que, não por acaso, os terminais de Prelude, Wheatstone e Ichthys foram construídos próximas às bacias de North Carnarvon, Browse e Bonaparte, cujo potencial exploratório é conhecido de longa data.

Nos três terminais de processamento de CBM, a Chevron é operadora do terminal Gorgon, em parceria com Exxon e Shell; a Total é sócia em Gleadstone, que é operado pela austaliana Santos; e a ConocoPhillips e Sinopec são sócias no terminal Asia Pacific, que é operado pela joint-venture APGL.

Tais terminais foram construídos no biênio 2015-2016 para exportar 41,3 milhões de metros cúbicos de gás natural produzido nas bacias de Surat e Bowen, em Queensland, na costa leste da Austrália, onde existem reservas de carvão com grandes quantidades de metano. Esse foi um projeto inovador, pois pela primeira vez a exploração do CBM foi desenvolvida com o objetivo de exportação de LGN, cujo destino é a Ásia.

Além da participação nos projetos de terminais de LGN, as majors também ingressaram em atividades de exploração e produção de gás natural na Austrália. A Arrow Energy, uma joint-venture constituída entre a PetroChina e a Shell, detém e explora mais de 25% das reservas de CBM da Austrália. Além disso, o consórcio proprietário do terminal Asia Pacific, que conta com a chinesa Sinopec e a americana ConocoPhillips, possui mais de 30% das mesmas reservas.

Somadas às atividades de produção de CBM, a ConocoPhillips também tem atuado na exploração e produção de gás natural da Bacia de Bonaparte localizada na plataforma continental noroeste da Austrália. De acordo com o estudo de Brian Towler, Mahshid Firouzi e Rick Wilkinson, publicado na Journal of Natural Gas Science and Engineering, os principais campos de gás offshore da Bacia de Bonaparte (Bayu e Undan), que são processados e convertidos em LGN, têm como operadoras um consórcio capitaneado pela ConocoPhillips. Em função do declínio da produção desses campos, a ConocoPhillips pretende desenvolver novas áreas dessa bacia, como Barossa e Caldita.

A entrada dessas majors europeias e americanas na Austrália, diferentemente das chinesas, não visa atender à demanda dos seus países de origem, mas sim abastecer o mercado asiático que é o atual grande importador de gás natural do mundo. Dos 104,7 bilhões de metros cúbicos exportados pela Austrália em 2019, a Ásia importou 99,9%, sendo que o Japão foi responsável por 39,2% e China por 38,0%, segundo dados da BP. Com isso, os australianos responderam por 31% de todas as importações asiáticas de gás natural.

Se, por um lado, a inserção das majors europeias e americanas se relaciona às oportunidades de mercado por conta da expansão da oferta do gás australiano e da demanda asiática, por outro, a entrada verticalizada das estatais Sinopec e PetroChina na indústria de gás natural da Austrália também tem uma conexão com os interesses geoestratégicos chineses. Independentemente do motivo, a Austrália é um exemplo de que as grandes petrolíferas estão sempre em busca de novas oportunidades de mercado, seja no upstream ou no downstream do gás natural.


Rodrigo Leão é coordenador-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), pesquisador visitante do Núcleo de Estudos Conjunturais da UFBA e doutorando em Economia Política Internacional pela UFRJ.

Artigo publicado originalmente no Broadcast Energia.

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