A miopia brasileira na definição dos leilões do pré-sal

Leilão da cessão onerosa. Foto: Pablo Jacob.

A descoberta do pré-sal modificou radicalmente a trajetória da indústria petrolífera brasileira. Ao se transformar num potencial fornecedor global de petróleo, o Brasil se tornou um alvo importante para as empresas internacionais, sedentas por novas reservas de petróleo.

Com o objetivo de proteger a soberania energética brasileira, ou seja, de aumentar o controle nacional sob o ritmo de exploração das reservas de petróleo, entrou em vigor, em 2010, a lei de partilha de produção. Esse novo modelo regulatório definiu a Petrobras como a única operadora das áreas do pré-sal e com a participação de mínima de, ao menos, 30% da produção. Entretanto, a lei sofreu alterações em 2016, excluindo a obrigatoriedade de operação da Petrobras, abrindo brecha para as empresas internacionais atuarem como operadora do pré-sal.

Com efeito, os leilões realizados desde então observaram uma maior participação das operadoras estrangeiras em detrimento da Petrobras. Na 5ª rodada de partilha do pré-sal, por exemplo, segundo os dados da ANP, dos 17,4 bilhões do volume in situ disponíveis, a Petrobras ficou com apenas 7%, ao passo que as estrangeiras adquiriram 93% das reservas. As maiores vencedoras foram justamente as empresas privadas, herdeiras das Sete Irmãs, como a anglo-holandesa Shell, as norte-americanas Chevron e ExxonMobil e a britânica BP, que adquiriram, respectivamente, 24%, 24%, 14 % e 11% das reservas disponíveis.

As cinco primeiras rodadas de partilha do pré-sal aconteceram entre outubro de 2013 e setembro de 2018, contando com a participação da Petrobras e de outras 12 empresas internacionais. Embora a Petrobras tivesse alcançado uma maior participação indivual, mais de 70% ficaram com as empresas estrangeiras. A Shell ficou com 17%, a Total com 9%, a ExxonMobil e a CNOOC com 8% cada e a BP com 7%. Todas empresas privadas, com exceção da chinesa CNOOC.

Entretanto, ao contrário do que aconteceu nas rodadas anteriores, a 6 ª rodada de partilha, realizada no dia 07 de novembro, não contou com ofertas das empresas privadas estrangeiras. Dos cinco blocos oferecidos do polígono pré-sal, apenas o bloco Aram foi arrematado. O vencedor foi o consórcio formado entre a Petrobras e CNODC, sendo que 80% do bloco ficou com a estatal brasileira e 20% com a empresa chinesa.

O que poderia explicar a falta de ofertas das empresas privadas petrolíferas na 6ª rodada de partilha do pré-sal? Em primeiro lugar, essas empresas já conquistaram uma boa parcela das reservas petrolíferas brasileiras nas rodadas anteriores e, como se sabe, os investimentos em E&P não possuem um retorno de capital no curto prazo, sendo necessário que as empresas desenvolvam as suas plataformas e seus equipamentos, algo que não é simples e exige tempo e capital. Os campos adquiridos pelas majors na 5 ª rodada de partilha, por exemplo, ainda não deram o retorno financeiro para justificar outros grandes investimentos no pré-sal. Segundo estimativas do Ineep, considerando somente as rodadas de partilha de produção, a Shell já assegurou áreas com um volume in situ de 11,6 bilhões de barris; a ExxonMobil, de 5,5 bilhões; a Total, de 6,5 bilhões; e a BP, de 4,7 bilhões.

Em segundo lugar, as grandes empresas privadas estrangeiras possuem investimentos exploratórios em outros lugares do mundo. Exemplo disso são os casos da ExxonMobil, na região da Guiana e na Bacia do Permiano, e da BP, nas áreas offshore da Angola. Os dois casos exigirão das empresas investimentos bilionários, que, se somados a possíveis novos investimentos no Brasil, poderiam gerar problemas financeiros às empresas.

O resultado desta última rodada já fez com que os precipitados analistas levantassem o tom contra o regime de partilha, ignorando os resultados das rodadas anteriores. Essa avaliação carece de uma compreensão o ritmo e a estratégia de investimentos e de exploração de reservas dessas empresas. Afinal, a sua participação nos leilões não dependerão apenas das benesses concedidos pelo governo, mas principalmente do seu portfolio de ativos e das disputas geopolíticas em que estão envolvidas.

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