Angola e o petróleo offshore

Foto: GGN.

 

Estimativas recentes apontam que a produção de petróleo em Angola deve reduzir nos próximos anos, sendo esta a principal justificativa do atual presidente do país, João Lourenço, para viabilizar mudanças na legislação do setor petrolífero do país e, assim, possibilitar maior investimento de empresas estrangeiras no segmento upstream. Assim, destaca-se um conjunto de medidas com a intenção de aumentar a produção petrolífera, entre as quais o lançamento de novos blocos para licitação e a transferência do papel de concessionária da estatal petrolífera Sonangol para uma recém-criada Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANPG). Nessa conjuntura, chama a atenção o fato de que novas descobertas ao largo da costa de Angola continuam a ser anunciadas, como as que preveem uma capacidade de 1,8 bilhões de barris de petróleo nos campos Kalimba, Afoxé, Agogo, Ndungu e Agidigbo, realizadas pelo consórcio composto pela Eni, Sonangol e SSI Fifteen Limited.

 

Apesar dessas perspectivas, Angola ainda se situa como o segundo maior produtor de petróleo da África subsaariana, ficando atrás da Nigéria. De acordo com estimativas realizadas no início de 2018, o país conta com 9,5 bilhões de reservas de petróleo provadas, como indica a Energy Information Administration (EIA). A história do petróleo em território angolano começou em 1910, na época em que o país ainda era colônia portuguesa. No segmento offshore se iniciou em 1966, quando houve a descoberta de petróleo pela empresa Cabinda Gulf Oil Company (CABGOC), que foi posteriormente incorporada pela Chevron em 1984. A primeira descoberta foi no Campo de Malongo – parte do chamado Bloco 0, o qual é responsável por mais da metade da produção nacional atualmente –, em Cabinda, onde a produção foi iniciada em 1968.

 

No início da década seguinte, o petróleo assumiu maior importância para Angola, uma vez que ganhou destaque entre os produtos locais de exportação em um contexto de crise mundial do petróleo. Em 1974, a produção chegou aos 172 mil barris de petróleo por dia, atingindo o ápice até então, e era proveniente de três áreas: offshore de Cabinda e onshore do Kwanza e do Congo. A partir desse momento, Portugal decidiu dedicar maiores esforços ao setor petrolífero de sua colônia africana, revisando a política para a pesquisa de petróleo e, assim, garantindo maior participação portuguesa nessa atividade a partir da empresa Angol – a qual tinha sido constituída em 1953 como subsidiária da companhia petrolífera portuguesa SACOR. A empresa passou a integrar um pequeno rol de companhias que atuavam no país: as estadunidenses Cabinda Gulf Oil Company e Texaco e a belga Petrofina, as quais detinham o monopólio do setor.

 

Na esteira da independência angolana de Portugal, ocorrida em 1975, novas mudanças foram implementadas na área de exploração e produção do hidrocarboneto, a partir das quais ficou a cargo do Estado determinar as condições do aproveitamento, utilização e exploração dos recursos petrolíferos. A nova dinâmica foi impressa no setor com a criação da estatal Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola (Sonangol), a partir da nacionalização da Angol em 1976; e, em 1978, do Ministério dos Petróleos, atual Ministério de Energia e Petróleo, que passou a coordenar e controlar todas as atividades do setor.

 

Cabe destacar, contudo, que, até 1993, a estatal petrolífera não estava habilitada a exercer a exploração em Angola. Para suprir esta lacuna, a Sonangol criou em 1992 a subsidiária Pesquisa & Produção (P&P), que tinha como objetivo a pesquisa e a exploração de hidrocarbonetos. Com o crescimento e ganho de experiência sobre a indústria petrolífera pela P&P, Sonangol criou duas novas empresas: a subsidiária Sonangol SGPS, que tem como missão somente a perfuração de poços e a empresa participada Sonasing, que tem como estatuto social a prospecção e exploração de hidrocarbonetos e de gás natural. Contudo, até os anos 1990, a estatal focou, enquanto concessionária exclusiva de todas as atividades relacionadas à exploração e produção de petróleo no país, em concessões para prospecção e exploração de óleo com companhias estrangeiras. Embora tivesse o monopólio das concessões, a empresa nacional podia se associar ou conceder às companhias estrangeira, com capacidade tecnológica e financeira, o direto de exploração de petróleo em território nacional. Em 1987, por exemplo, havia já 13 companhias atuando em Angola. 

 

O ponto de virada da produção em Angola se deu a partir das descobertas em águas profundas no Bloco 17 e nos Blocos vizinhos, 14, 15 e 16, com destaque para a descoberta em 1996 do campo Girassol em águas profundas. A Angola deixou de ser produtor médio de petróleo para se tornar em um dos pontos principais para busca de novas reservas em território marítimo. Assim, entre 2002 e 2008, o país viveu o maior boom de produção petrolífera de sua história, crescendo em uma média de 15%, sendo que no primeiro semestre de 2008 produziu aproximadamente 2 milhões de barris por dia.

 

Esse fato associado ao fim da guerra civil em Angola, no início dos anos 2000, impulsionou uma grande expansão em termos de interesse internacional pela exploração do petróleo angolano em águas profundas. O país africano logo se tornou um polo atrativo para empresas do mundo inteiro, como British Petroleum (BP), Royal Dutch Shell, ExxonMobil, ChevronTexaco, Total, Equinor, e, especialmente, as empresas chinesas CNOOC e Sinopec. Pode-se dizer, atualmente, que todas as grandes empresas petrolíferas se encontram em Angola, as quais receberam concessões da estatal Sonangol até abril de 2019 para explorar e produzir em áreas e blocos – a partir de então a ANPG ganhou atribuição específica de concessionária nacional. A Sonangol, por sua vez, controla ainda no mínimo 20% de cada bloco, operando desde os anos 1990 em colaboração com as companhias petrolíferas estrangeiras através de joint ventures e acordos de partilha de produção. A estatal também opera sozinha em campos em onshore e offshore, além de atuar na esfera internacional enquanto operadora, como, por exemplo, no Gabão.  

 

A produção de petróleo caiu nos últimos dez anos e, em 2018, girou entre 1,4 e 1,5 milhão de barris por dia, sendo a maior parte nos campos offshore, em função de uma combinação de fatores: preços do petróleo mais baixos desde meados de 2014 tornando a exploração offshore menos atrativa; problemas técnicos e paragens para manutenção de equipamentos; a existência de campos atingindo o pico de produção; o corte de produção acordado no bojo da OPEP, da qual Angola é membro desde 2007. Contudo, como acima apontado, recentemente, projetos em blocos petrolíferos em águas profundas e no pré-sal [1] iniciaram suas produções, além de que há muitos ainda previstos a começarem suas atividades, o que sugere que ajudará nos próximos anos a manter ou a aumentar o nível de produção atual.  

 

É necessário observar, entretanto, que as a pretensão do governo atual de vender ativos da Sonangol certamente reduz o tamanho da empresa e seu envolvimento no setor petrolífero do país, com consequências em termos de capacidade de agência do setor energético angolano. Ademais, este panorama geral sobre o petróleo offshore em Angola denota mais uma evidência de que as potencialidades do Atlântico Sul assumem maior visibilidade mundial nos anos 2000. O país angolano demonstra crescentes relações com empresas chinesas no setor petrolífero, o que desencadeia uma série de implicações geopolíticas, dentro do escopo da corrida pelo acesso ao petróleo entre potências ocidentais e asiáticas, acrescentando assim olhares interessados sobre esta região.  

 

 

[1] A camada pré-sal angolano tem sido explorada desde o início das atividades no segmento offshore no país, mas a primeira descoberta de petróleo ocorreu somente em 2012 pela Sonangol e dinamarquesa Maersk Oil, no poço de exploração Azul-1, com capacidade maior de 3 mil barris por dia, localizado em águas profundas do Bloco 23 da Bacia do Kwanza. Outras descobertas já foram realizadas nesta Bacia – como nos poços Lontra & Orca – B20, Cameia, Mavinga & Bicuar – B21 pela estadunidense Cobalt -, onde Angola já concedeu licenças para grandes petrolíferas, incluindo BP, Total, Statoil, Petrobras, ConocoPhillips, entre outras.

 

 

Fontes:

 

ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION. Angola Analysis – Executive Sumary. 2019 – https://www.eia.gov/beta/international/analysis.php?iso=AGO

 

OLIVEIRA, Lucas Kerr de. Energia como Recurso de Poder na Política Internacional: geopolítica, estratégia e o papel do Centro de Decisão Energética. 2012. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012. Acesso em: http://www.funag.gov.br/ipri/btd/index.php/10-dissertacoes/1670-petroleo-e-seguranca-internacional-aspectos-globais-e-regionais-das-disputas-por-petroleo-na-africa-subsaariana

 

OPEC. Member Countries – Angola. – https://www.opec.org/opec_web/en/about_us/147.htm

 

SONANGOL. Exploração e Produção.  – http://www.sonangol.co.ao

 

WALTER, Luís Fernando da Costa. Angola: O Papel e Contributo do Sector dos Petróleos de Angola no Desenvolvimento Sócio-Económico do País. Desafios e Expectativas (1975 – 2005). 2007. Dissertação (Estudos Africanos – Desenvolvimento Social e Económico em África: Análise e Gestão) – Universidade Lusófona, Lisboa, 2007.  Acesso em: https://repositorio.iscte-iul.pt/bitstream/10071/656/1/TESE%20NOVEMBRO%20ACTUALIZADA.pdf

 

 

 

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