As “novas-velhas” obsessões da futura gestão da Petrobras

Foto: UOL Economia.

Após um período turbulento, desde a crise da Lava-Jato até a gestão financista e curto-prazista do ex-presidente Pedro Parente, a Petrobras assumiu uma visão estratégica mais pragmática, compreendendo a importância de realizar uma gestão mais cautelosa da sua dívida, mas ao mesmo tempo de se preservar enquanto uma empresa integrada.

Ao assumir o cargo após a saída de Pedro Parente, o ex-presidente Ivan Monteiro reconheceu a relevância da atuação da Petrobras em outros segmentos da cadeia parapetrolífera, como a necessária mudança na gestão do refino. Em suas palavras, “esse setor [petroquímico] é importante na composição das grandes petroleiras. Como a Petrobrás vai ter de se posicionar em relação à Braskem, é bom que se posicione em relação ao segmento como um todo. (A discussão) foi acelerada. (…) Ficou uma grande lição [na gestão do refino]. A atuação da Petrobras, em especial no segmento de refino, influencia a sociedade. Ela é feita para consumidores e clientes. Esse impacto a Petrobras tem de levar em consideração”. Ainda sobre os investimentos, o presidente afirmou que sua aceleração seria fundamental para o sucesso da Petrobras. Ao analisar os resultados do primeiro semestre de 2018, ele constatou: “percebemos que a execução do investimento está acelerando, mas não conseguiremos atingir os US$ 17 bilhões (projetados no plano de negócios 2018-2022). Por isso anunciamos US$ 15 bilhões. A diferença vai ser transferida ao ano seguinte. A boa notícia é que os desembolsos estão acelerando. A dinâmica está bem melhor do que no primeiro semestre”.

Evidentemente, Ivan Monteiro explicitou a necessidade de continuação da redução do grau de endividamento, mas isso, ao que parece, não impediria a Petrobras de preservar sua posição em vários setores de mercado e de gradualmente retomar a trajetória de expansão dos investimentos.

Em recente texto escrito para o Valor, Rodrigo Leão, pesquisador e diretor do Ineep, notou a adoção de uma postura mais pragmática no novo Plano de Negócios da Petrobras, considerando as tendências do setor e os desafios de não ficar refém somente do E&P, com efeito, a empresa realizou um aumento dos investimentos em E&P (inclusive nos campos maduros offshore), gás natural, petroquímica e renováveis, a despeito de manter uma política de transferência de mercado de derivados para outras empresas a partir da venda de parte do parque de refino.

Em razão das crises dos preços dos combustíveis e dos próprios desafios intrínsecos às operadoras de petróleo, optou-se pela montagem de um plano estratégico mais pragmático que obrigou a necessariamente a revisão de algumas políticas de curto prazo da gestão anterior. Maiores investimentos no E&P, retomada da atuação em petroquímica e renováveis são dois exemplos dessa revisão.
Todavia, a recente entrevista do novo presidente Castello Branco indica que sob sua gestão, a Petrobras pode ser conduzida por “novas-velhas” obsessões e, com efeito, a sua estratégia ficaria mais uma vez ancorada quase que exclusivamente numa visão financista. O Ineep levanta três dessas “novas-velhas” obsessões:

1. A gestão da dívida na visão de Castello Branco: “a experiência indica uma alavancagem de dívida bruta versus Ebitda de uma vez e meia. Estamos trabalhando para sobreviver bem com um preço médio do petróleo Brent a US$ 50 por barril”.

Visão do Ineep: novamente a Petrobras trabalha com uma redução abrupta do seu endividamento (atualmente de 2,7 da relação dívida bruta/Ebitda) num cenário de preço baixo do barril do petróleo. Ou seja, nesse caso, a única alternativa para alcançar essa meta seria a venda indiscriminada de ativos. A experiencia recente mostra que a Petrobras foi capaz de reduzir sua dívida em grande medida pela geração orgânica de caixa, não necessitando se desfazer de muitos ativos. Além disso, a Petrobras novamente adota uma visão bastante pessimista em relação aos preços do barril de petróleo. A EIA (Energy International Agency) e o Banco Mundial, por exemplo, trabalham com uma projeção de preços entre US$ 70 e US$ 75. Se isso se confirmar, a geração de caixa da empresa será muito maior do que no patamar de US$ 50. E, novamente, cabe questionar qual a razão de se definir uma métrica para um período tão curto?

2. Política do refino na visão de Castello Branco: “achamos muito tímido [o programa original de venda de refinarias]. Não queremos simplesmente transmitir um monopólio de uma empresa estatal para a iniciativa privada. Queremos concorrência. Vamos estudar quais ativos vamos vender, como vamos estruturar”.

Visão do Ineep: aqui, antes de tudo, cabe questionar qual o interesse da Petrobras em ceder parcelas de mercado para os seus concorrentes? Afinal, há demanda para as refinarias da Petrobras, são ativos que geram valor para empresa e, principalmente, tem uma capacidade de contrabalançar os momentos de redução da rentabilidade do segmento de exploração e produção (E&P) em função da queda do preço do barril do petróleo. De certa forma, tornará a empresas cada vez mais dependente do setor de E&P e mais refém da lógica internacional de determinação do preço do barril de petróleo.

3. A empresa integrada na visão de Castello Branco: embora reconheça que a Petrobras deva ser uma empresa diversificada, fica clara a intenção do focar apenas no E&P – “parecemos envergonhados em explorar commodities. Vamos explorar recursos naturais e produzir valor para o Brasil”.

A visão do Ineep: como mencionado acima, as empresas de petróleo de grande porte têm uma atuação profundamente integrada e diversificada por um conjunto extenso de razões que vão de questões geopolíticas até características intrínsecas ao setor petróleo. A diversificação é importante, por exemplo, para que i) nenhuma empresa fique refém do E&P, ou seja, não estruture um negócio cuja rentabilidade dependa exclusivamente em preços determinados externamente; ii) evite-se a dependência de importações de derivados de terceiros países entre outros. A integração da empresa, como dito acima, permite uma maior capacidade de diminuir os impactos deletérios como os movimentos de mercado (oferta e demanda) e preços do setor de exploração e produção, além de ter uma relação profunda com as mudanças da matriz energética global. Todas as empresas sabem do movimento internacional de busca por uma transição energética e, por isso, tem estruturados negócios cada vez mais diversificados não apenas na cadeia parapetrolífera, como também em outras formas de energia, principalmente as companhias asiáticas e europeias.

As declarações do presidente Castello Branco geram preocupações não apenas sobre o futuro da Petrobras, mas causam certo estranhamento pela possibilidade de se repitam equívocos recentemente identificados, até pela própria companhia. A existência de longo prazo da Petrobras dependerá muito mais de uma visão estratégica e próxima das mudanças energéticas em termos globais do que da geração de rentabilidade de curto prazo. Rentabilidade esta, não custa lembrar, ancorada no pré-sal e que só foi garantida por esforços internos desenvolvidos a partir de um projeto de longo prazo implementado pela Petrobras em alguns momentos de sua história.

Comentar