Petróleo offshore: a maior visibilidade mundial do Golfo da Guiné

Mapa do Golfo da Guiné. Foto: Nações Unidas Brasil.

 

A energia produzida em alto mar tem sido um componente cada vez mais importante para a indústria mundial de petróleo e gás. Os recursos e projetos offshore têm se consolidado como uma das principais fronteiras de expansão da economia dos hidrocarbonetos neste início do século XXI. De acordo com relatório elaborado pela Agência Internacional de Energia (AIE) em 2018, mais de um quarto do suprimento de óleo e gás já é produzido em plataformas offshore, representando cerca de 15% das reservas mundiais de petróleo e 45% das reservas mundiais de gás descobertas. Além disso, as estimativas indicam que cerca de um terço do petróleo e dois terços do gás que ainda podem ser descobertos no futuro serão encontrados em ambiente marítimo. O petróleo em águas profundas (com profundidade abaixo de 400 metros) e em águas ultraprofundas (com profundidade abaixo de 2.000 metros) contabiliza mais da metade dos recursos de óleo e gás descobertos nos últimos dez anos.

 

Nesse cenário, o Atlântico Sul é uma das regiões petrolíferas que mais ganhou relevância no mundo. De um lado, na costa sul-americana, nota-se a importância da descoberta de recursos petrolíferos na camada do pré-sal na plataforma continental brasileira, assim como a descoberta de reservas de petróleo e gás nas Ilhas Malvinas – região de disputa entre Argentina e Reino Unido. De outro lado, na costa africana, destacam-se as expressivas reservas de petróleo offshore na região do Golfo da Guiné, como na Nigéria (de 29,5 bilhões de barris em 1998 para 37,5 bilhões de barris em 2018), em Angola (de 4 bilhões de barris em 1998 para 9 bilhões de barris em 2018), na Guiné Equatorial (de 0,6 bilhões de barris em 1998 para 1,7 bilhões de barris em 2018), entre outros, segundo relatório da BP Statistical.

 

Por isso, o espaço sul-atlântico tem passado por uma ampliação da sua valorização estratégica. Pesquisadores, como Eduardo Beny (2007) [1] e Yoslán Gonzalez (2016) [2], inclusive já apontam gradual emparelhamento da importância da região do Golfo Pérsico e da região do Golfo da Guiné como grandes áreas fornecedoras de petróleo, o que levaria à constituição de uma nova geopolítica do petróleo. Grandes empresas petrolíferas ocidentais e asiáticas foram atraídas pela descoberta das importantes reservas de óleo de excelente qualidade, pelo progresso das condições técnicas de exploração em águas profundas, pelos quadros regulatórios nacionais favoráveis ao capital estrangeiro e pelas vantagens logísticas.

 

Por exemplo, na Nigéria, os principais atores da cadeia petrolífera são, além da companhia nacional, Nigerian National Petroleum Corporation (NNPC), a Shell, a ExxonMobil, a Total, a ChevronTexaco, a China National Offshore Company (CNOOC) e a Petrobras. Mais de 90% do petróleo produzido, no início dos anos 2000, era por joint ventures associando a estatal às operadoras multinacionais, sendo a Shell a empresa com maior presença na região. Mais recentemente, a dificuldade da empresa nigeriana em investir estimulou o país a adotar o modelo das concessões compartilhadas. Na Angola, além da estatal Sonangol, também se destacam a ExxonMobil, a Total, a ChevronTexaco, a British Petroleum, a China National Offshore Company (CNOOC), Petrobras e Oil and Natural Gas Corporation (ONCG-India). Neste país, há o modelo do contrato de compartilhamento da produção, em que as grandes corporações retribuem com parte da produção, sendo que ChevronTexaco desponta com maior participação no setor petrolífero angolano.

 

A importância de recentes descobertas em ambiente offshore vai além da maior quantidade disponível de reservas petrolíferas a serem exploradas. Como exemplo, o transporte do petróleo para mercados internacionais ocorre de maneira mais fácil e independente do contexto político e econômico do país detentor das reservas, tornando ainda mais atrativas as potencialidades encontradas em alto mar. Quando se observa o Oriente Médio, onde boa parte das reversas se localiza em região onshore, a presença de instabilidades variadas pode sempre comprometer a produção, a exploração e as vias de acesso e de escoamento. Assim, o Golfo da Guiné surge ainda mais como uma alternativa atraente.

 

Em função desse contexto de descoberta de novas reservas de recursos estratégicos, na medida em que as potencialidades energéticas sul-atlânticas se tornam relevantes na esfera política, econômica e securitária, a costa africana vem ganhando maior visibilidade mundial, proporcionando o desenvolvimento de uma crescente confluência de interesses de países extrarregionais, por meio de suas empresas, e da consequente militarização da dimensão sul-atlântica por parte dos mesmos. Além de repercussões geopolíticas e de desafios provenientes dessa presença de atores externos à região, faz parte dessa dinâmica o aumento dos crimes transnacionais no âmbito marítimo, sobretudo justamente na região do Golfo da Guiné, como pirataria, tráfico de drogas, de armas, de seres humanos, etc., que despontam como ameaças à estabilidade político-econômica e à segurança dos países da região.

 

Portanto, ao observarmos a partir de uma perspectiva brasileira, torna-se evidente que a centralidade do Atlântico Sul na nova dinâmica global do petróleo precisa necessariamente ser levada em conta pelos atores do setor petrolífero. Sobretudo, pelos planos de atuação da Petrobras, a qual pode assim influenciar na configuração e nas relações estabelecidas dentro do tabuleiro geopolítico, podendo ter impacto direto em questões de grande relevância como soberania nacional e energética do Brasil.

 

 

[1] BENY, Eduardo. A nova geopolítica do petróleo: do Golfo Pérsico ao Golfo da Guiné. Lisboa: Novo Imbondeiro, 2007.

 

[2] GONZALEZ, Yoslán. The Gulf of Guinea: The Future African Persian Gulf?. Revista Brasileira de Estudos Africanos, Porto Alegre, v.1, n.1, p. 85-105, jan./jun. 2016.

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