Tanto lá, como cá, século XIX ou XXI, o petróleo muda a economia, a política e as guerras
Cem anos atrás, em abril de 1918, tropas britânicas, alemãs, turcas guerreavam com soldados soviéticos, envolvendo armênios, azerbaijanos e outros povos, para garantir acesso ao petróleo da península de Absheron, especialmente nos arredores da cidade de Baku, no Mar Cáspio. O mundo vivia a I Guerra Mundial, os soviéticos derrubaram o governo czarista em 1917 e as grandes potenciais mundiais, principalmente o Império Britânico, achavam que o governo revolucionário seria logo derrubado, depois da nacionalização, sem indenizações, das propriedades estrangeiras dos produtores de petróleo da região.
Por traz destas movimentações militares havia uma feroz disputa entre a Standard Oil, dos Rockeffeler, nos EUA e a anglo-holandesa Royal Dutch-Shell. Os dois gigantes da produção, comercialização e refino, empresas integradas que controlavam a produção das duas maiores regiões produtoras do mundo, disputavam os mercados da Europa e Oriente, utilizando de todas as armas possíveis durante muitas décadas, desde o início da produção nos dois continentes.
Manobras, corrupção, golpes, associações com aventureiros, compra de oficiais dos governos marcaram a consolidação das empresas e o controle do setor. Os governos czarista, soviético, germânico, turcos, britânicos, franceses e americanos, em diferentes momentos e com distintas intensidades, conflitaram suas forças, inclusive as armadas, na busca de controlar a região e seus meios de ligação entre o Continente Europeu, os mares interiores e os oceanos e o Continente Asiático.
O controle da logística é fundamental para garantir a hegemonia de países continentais, em relação às potencias marítimas. Controlar as ferrovias e a rede de dutos de transporte era chave para assegurar o poderio das empresas que dominavam a produção. Para viabilizar a produção do Cáspio, um mar interior, era preciso chegar aos oceanos e aos mercados consumidores. Controlar as ferrovias e os dutos era indispensável e para isto tudo valia: sabotagens, conspirações, corrupção, assassinatos, derrubadas de governos e guerras. Isto marcou a região nos anos finais do século XIX e nas primeiras décadas do século XX.
Presença do Estado
O petróleo do Mar Cáspio foi produzido sob distintos marcos regulatórios. De uma presença forte do governo czarista, passa por uma abertura completa e desregulamentação, com privatização das áreas produtoras e concentração da propriedade dos meios de transporte e armazenamento.
De um regime semelhante as concessões modernas, com pagamentos de royalties fixos, o monopólio estatal do petróleo foi rompido na década de setenta do século XIX, no início de um intenso processo de industrialização da Rússia, sob o comando do estado czarista, mas com fortes incentivos para a iniciativa privada. As oscilações entre maior e menor presença do Estado na atividade petrolífera marcaram toda a história do setor, de forma muito semelhante a outras áreas de novas fronteiras exploratórias no mundo.
A concentração em torno da Royal Dutch-Shell, em clara disputa com a Standard Oil se estende até depois da Revolução de 1917. O estado soviético retoma o poder sobre o setor, nacionalizando as empresas sem indenizações o que, juntamente com o bloqueio ideológico, unifica os interesses estrangeiros que consolidam um bloqueio ao regime de Moscou, pelo menos, até 1922, quando ocorre a primeira convenção internacional com representantes do governo revolucionário. Apesar da disposição destes para a coexistência pacífica, os interesses das grandes empresas e os interesses geopolíticos dos governos das grandes potencias, incluindo os EUA, se impõem e a conferencia fracassa.
Uma das lições deste período de consolidação do petróleo como mercadoria estratégica para o mundo contemporâneo é a combinação das movimentações governamentais e os interesses dos grandes grupos econômicos do setor, especialmente as empresas integradas do poço ao posto, da produção a comercialização. Quanto mais integradas mais fortes elas são. Quanto mais fortes, mais influem nos seus governos e nos interesses geopolíticos de cada nação.
Segurança energética britânica
Hoje, no século XXI, o império czarista não mais existe, mas a Rússia de Putin utiliza o petróleo como uma de suas armas para sua posição geopolítica. O império otomano foi desmembrado e a criação do Iraque, Irã e da Arábia Saudita não trouxe paz para a região, que continua sendo palco de grandes batalhas com o fim de garantir acesso as enormes reservas regionais. O império britânico foi substituído pelo poder econômico dos EUA, que continua tendo na sua segurança energética um dos principais objetivos de sua estratégia militar e diplomática.
Tanto lá como cá, passados cem anos, a questão essencial continua a mesma: grandes grupos econômicos utilizam todas as suas armas, sejam diplomáticas, econômicas, militares e todas as formas de pressão, para viabilizar a continuidade do acesso aos reservatórios, transporte, refino e comercialização dos hidrocarbonetos e seus derivados.
Hoje o acesso as novas fronteiras de produção, como o pré sal brasileiro, manutenção e ampliação das vias logísticas, como os gasodutos na região do Cáspio e na Síria, Turquia são motivos para conflitos diplomáticos e militares.
Olhando o passado, com os olhos brasileiros do século XXI, devemos aprender a lição: controlar o acesso às nossas reservas é absolutamente indispensável para consolidar nossa soberania, em um mundo que continuará, ainda por muitas décadas, ávido por petróleo. No passado, as nações consumidoras e os grandes grupos do setor se uniram para impor seus interesses aos países onde se localizavam os novos reservatórios. Olhar o passado deve nos ajudar a antecipar o que acontecerá se, iludidos, confiarmos que o mercado sozinho se equilibrará.
Referências bibliográficas
1. Gabrielli de Azevedo, J. S. (2018). Disputas entre grandes empresas, Impérios e Regimes no Confronto Europa, Ásia e Américas: Petróleo Antes de 1930. Texto para Discussão.
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