Guerra, ocupação e tutela colonial: a “invenção ocidental” do Oriente Médio
Jornal GGN
“L’invention du Moyen-Orient contemporaine date de la Première Guerre mondiale et de l’éffondrement de l’Empire ottoman sur la base de découpages territoriaux décidés par les deux grandes puissances coloniales de l’époque, la France et la Grande Bretagne. En quelques années, eles ont ainsi scellé le destin des peuples de cette région en les sommant de vivre à l’interieur de frontières imposées sans que leurs aspirations et leurs intérêts soient pris en compte”.
Pierre Blanc et Jean-Paul Chagnollaud .
L’invention tragique du moyen-orient. Editions Autrement, Paris, p. 11 .
Depois do Vietnã, praticamente todas as guerras do sistema mundial que envolveram as “grandes potências” foram travadas no Oriente Médio. Uma região do mundo que pertenceu ao antigo Império Otomano (1299-1920) e que foi entregue pelas potências vitoriosas à tutela da Grã-Bretanha e da França, logo depois do fim da Primeira Guerra Mundial, porque era habitada por povos que “não eram capazes ainda de se dirigir a si mesmos”, segundo o artigo 22 do Pacto da Sociedade das Nações, datado de 1919. Nesse território foram implantados, progressivamente, os estados ou emirados da Arábia Saudita, Bahrein, Catar, Chipre, Egito, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Israel, Irã, Iraque, Jordânia, Kuwait, Líbano, Omã, Palestina, Síria e Turquia.
Todos eles, com exceção do Egito, do Irã e da Turquia, concebidos e criados artificialmente, pelas duas potências coloniais europeias nas décadas que se seguiram à Primeira Guerra, e em menor número, depois da década de 70, após a retirada definitivas das últimas tropas inglesas da região do Golfo Pérsico. Em 2004, depois da Guerra do Iraque, o presidente norte-americano George W. Bush propôs a ampliação do antigo território do Oriente Médio e a inclusão de dez novos países situados entre Marrocos e o Paquistão, dentro do que ele chamou de “Grande Médio Oriente”, onde se propunha levar a cabo um grande projeto de “conversão árabe” aos valores da “democracia”, do “mercado” e dos “direitos humanos.
Nesse território, depois do início da Guerra do Líbano, em 1975, ocorreram mais cinco grandes guerras, ainda durante a Guerra Fria, e mais oito guerras depois de 1990, sem incluir as 10 ou 15 revoluções e guerras civis que contaram com algum tipo de intervenção direta ou indireta das “grandes potências ocidentais”.
O primeiro poço de petróleo do Oriente Médio foi descoberto no Irã, em 1907, e depois localizou-se petróleo no Iraque e na Arábia Saudita, nas décadas de 1920 e 1930, mas foi só depois que o Oriente Médio se transformou na maior reserva energética do mundo que seu epicentro geopolítico e econômico se transferiu definitivamente para o Golfo Pérsico. Mas muito antes que isto acontecesse, a região do Egito e da Mesopotâmia, em torno dos rios Nilo, Tigre e Eufrates, foi palco dos primeiros grandes processos civilizatórios da história da humanidade. Foi nessa região que nasceram os primeiros grandes impérios egípcio, hitita, sumério e babilônico, e também as primeiras grandes religiões monoteístas da história, o zoroastrismo, o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. E foi aí também que se estabeleceram e competiram durante quase mil anos, os grandes Impérios da Pérsia e de Roma, que foram capazes de construir estruturas de poder centralizadas e duradouras sobre territórios que incluíam povos, etnias e culturas extremamente heterogêneas.
E foi nessa região também que nasceu o Islã, muitos séculos depois, expandindo-se de forma vertiginosa, a partir do século VII d.C., até conquistar terras e povos que se estendiam da costa atlântica da África, e da Península Ibérica, até o norte da Índia, Ásia Central, Rússia e China. Numa onda expansionista, maior e mais rápida do que fora a de Roma e da Pérsia, e só comparável, talvez, com as conquistas de Felipe e Alexandre da Macedônia. Por isso o Islã se transformou rapidamente numa religião, num império multiétnico, e numa verdadeira “ordem mundial” até o século XIII, quando seu espaço imperial e religioso foi conquistado e reorganizado pelos turcos otomanos que derrotaram o Império Bizantino, conquistaram Constantinopla, em 1453, e se transformaram num dos impérios mais longevos e bem-sucedidos da humanidade. Até pelo menos o século XVI ou XVII, período em que a Europa foi uma periferia econômica e cultural deste Império,. antes que ele começasse seu lento processo de declínio, que culminou com sua dissolução e ocupação pelos europeus, no fim da Primeira Guerra Mundial.
Fator petróleo
No momento em que foi decidida a divisão desse antigo império e sua repartição e submissão à tutela da Grã-Bretanha e da França, os ingleses e os franceses já sabiam da existência de petróleo na região, e já tinham começado, durante a própria guerra, a substituição do carvão pelo petróleo na mobilização de suas Forças Armadas. Por isso, não cabe dúvidas de que o fator petróleo teve peso decisivo nas negociações secretas e anteriores ao final da guerra, que levaram à assinatura do Acordo Sykes-Picot, em 1916, entre a França e a Grã-Bretanha. Mais à frente, logo depois da assinatura do Tratado de Versalhes, em 1919, foi na Conferência de San Remo, realizada em 1920, que o conselho supremo das forças vitoriosas definiu os “mandatos” e as atribuições da Grã-Bretanha e da França, dentro de seus novos domínios. A Grã-Bretanha ficou com a tutela dos territórios correspondentes a Palestina e ao Iraque, enquanto a França ficou com os territórios futuros da Síria e do Líbano, confirmando os termos gerais do Acordo Sykes-Picot.
Nas décadas seguintes, as duas grandes potências coloniais europeias redesenharam o mapa da região, criando e impondo os novos Estados Nacionais, com exceção da região central do antigo império, que se rebelou contra as decisões de San Remo e fez sua própria revolução, sob a liderança de Mustapha Kemal, criador da moderna República da Turquia, reconhecida pelo Tratado de Lausanne, de 1923. Este processo de retalhamento do antigo território otomano também provocou guerras e rebeliões em outras áreas tuteladas pelos franceses e ingleses, como no caso do Iraque, em 1920; da Síria, em 1925-1927, e de novo em 1943; da Transjordânia, em 1923; da Palestina, em 1936-1939; e do Líbano em 1943. Todas elas reprimidas e derrotadas, ao contrário do que ocorrera na Turquia. Essas revoltas ressurgiram logo depois da Segunda Guerra Mundial, quando a criação do Estado de Israel, em 1948, no território da Palestina, com o apoio de Grã-Bretanha, França e Estados Unidos, provocou a primeira grande guerra regional entre judeus e árabes, que se repetiria depois, em 1966, na “Guerra do 7 Dias”, e em 1973, na “Guerra do Yom Kippur”, ocasião em que a OPEP utilizou pela primeira vez na história o “embargo” do petróleo como arma de guerra contra os países aliados de Israel.
Depois da Segunda Guerra Mundial, a fragilização da França e da Grã-Bretanha abriu portas para as últimas independências dos novos países criados pelos europeus, e também permitiu a ascensão de militares partidários do nacionalismo árabe ao governo do Egito, como foi o caso paradigmático de Gamal Abdel Nasser, mas também da Argélia, do Iraque, da Síria, do Iêmen e da Líbia. Mas, ao mesmo tempo, a retirada franco-britânica permitiu e obrigou os Estados Unidos a assumirem a tutela militar do Oriente Médio, em nome das potências ocidentais, sobretudo depois da crise do Canal de Suez, em 1956.
Talvez se possa dizer mesmo que foi nesse exato momento naquele momento que acabou a tutela das potências coloniais europeias sobre os países do Oriente Médio, como foi também naquele momento que os Estados Unidos se transformaram na potência militar dominante do Oriente Médio. Mas é fundamental sublinhar que o Oriente Médio já não era mais o mesmo, depois da descoberta de suas maciças reservas de petróleo, sobretudo no Irã e na Arábia Saudita, que viraram polos de referência geopolítica e econômica de uma região que se transformou na maior reserva energética do mundo.
Artigo publicado no Portal GGN.
Comentários:
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