Leilão do pré-sal e crise saudita: o petróleo na disputa entre China e EUA

Rodrigo Leão, Sérgio Trabali Neto
Carta Capital

Parque Nacional de Abrolhos. Foto: Reprodução/Youtube.

No último dia 30 de setembro, a ANP anunciou as empresas habilitadas para a participação do leilão de petróleo do “excedente da cessão onerosa”. Entre as quatorze empresas habilitadas, duas são americanas (ExxonMobil e Chevron) e duas são as chinesas (CNODC e CNOOC). Desde o primeiro leilão do pré-sal, realizado no prospecto de Libra em 2013, as chinesas ingressaram de maneira contínua no pré-sal e as empresas americanas, depois das mudanças regulatórias promovidas pelo governo de Michel Temer, passaram a participar dos leilões realizados pela ANP nas áreas do pré-sal.

As empresas estrangeiras, inclusive desses dois países, realizaram um conjunto de pressões a fim de ampliar a participação de operadoras do exterior no processo de exploração do pré-sal e “readequar” as políticas de conteúdo local de forma a não desfavorecer os fornecedores estrangeiros na oferta de equipamentos para a exploração do petróleo nacional. Como resultado desse processo, a governo brasileiro alterou o calendário de venda do pré-sal, acelerando as rodadas de licitações nos últimos anos, e reduziu significativamente os percentuais de conteúdo local para as compras de bens e serviços nas áreas de exploração do pré-sal.

De certa forma, a agenda do setor de petróleo e gás no Brasil, implementada nos últimos três anos, têm atendido às demandas das petrolíferas chinesas e americanas e, em última instância, dos seus respectivos Estados Nacionais.

Ataques a refinarias da Aramco

Diferentemente disso, os ataques realizados no mês de setembro às duas refinarias da Aramco, na Arábia Saudita, derrubando pela metade a produção do país (que equivale a cerca de 6% da toda a produção mundial), que é a terceira maior do mundo, atrás apenas de EUA e Rússia, teve um significado mais complexo na disputa geopolítica sino-americana.

O ataque foi reivindicado por rebeldes do vizinho Iêmen que, desde 2016, vive uma violenta guerra civil. Americanos e sauditas afirmam que os houthis recebem treinamento militar, apoio armamentista e financiamento do Irã. O secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, acusou publicamente o Irã de estar envolvido nas ofensivas da semana passada. Trump seguiu a mesma linha, ao afirmar que os Estados Unidos estão “carregados e armados” para uma ofensiva contra o Irã.

Não demorou para os chineses entrarem na disputa diplomática. O ministro das Relações Exteriores chinês chamou de irresponsáveis as falas de Trump e Pompeo, e disse que atitudes como essas “poderiam levar a uma escalada nas tensões regionais”. A fala dura indica que o país asiático desta vez não ficará apenas assistindo o agravamento de conflitos em uma região estratégica para o seu fornecimento de petróleo.

A reação chinesa surge num contexto cujo sucesso e extensão dos ataques revelam importantes fragilidades no sistema de defesa saudita, que é fornecido pelos Estados Unidos. Isso levanta dúvidas sobre a capacidade dos aliados dos americanos de controlar a situação no Oriente Médio.

A exposição da fragilidade de seu sistema de defesa de origem americana e a fala dura dos chineses poderiam soar como provocação aos Estados Unidos. Mas a ameaça de ação militar contra o Irã não se concretizou até o momento. O resultado é um cenário bastante imprevisível a médio prazo.

Ainda mais porque as dificuldades de exportação do petróleo leve árabe – que possivelmente levarão a um aumento de preços – favorecerão o petróleo ultraleve americano no mercado internacional. Os problemas na Arábia Saudita podem transformar os EUA num importante fornecedor para grandes mercados como o asiático, e em especial o chinês.

China deve agir com cautela

A China, obviamente, não tem interesse em aumentar sua dependência do petróleo americano, o que poderia ocorrer com uma crise maior na produção saudita. Ao mesmo tempo, os chineses se opõem a qualquer instabilidade que afete o Irã, outro grande fornecedor. Por tudo isso, a China deve agir com grande cautela para não agravar tensões entre sauditas e iranianos.

Independentemente dos resultados da difícil equação geopolítica no Oriente Médio, o fato é que o petróleo daquela região embute consigo um crescente risco para os grandes consumidores e produtores globais. Por essa razão, a estratégia de diversificação das compras de petróleo e de expansão da indústria petrolífera das grandes potências para outros mercados tende a se acelerar cada vez mais. É, nesse contexto, que o pré-sal no Brasil – de qualidade e distante dos conflitos do Oriente Médio – passa a ser chave tanto para americanos, como para chineses.

Portanto, a crise árabe mostra que as mudanças regulatórias e a aceleração dos leilões do pré-sal são, antes de tudo, um elemento central da estratégia geopolítica de Estados Unidos e China. Se, no Oriente Médio, as duas potências se contrapõem, pelos lados do Cone Sul, elas convergem. E com essa convergência há uma migração, ainda lenta, do eixo geopolítico do petróleo e de suas tensões para o Cone Sul.

  • Rodrigo Leão é mestre em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp, coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) e pesquisador-visitante da Universidade Federal da Bahia. Sérgio Trabali Neto é mestrando em Economia Política Internacional pela UFRJ e pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).

Artigo originalmente publicado por Carta Capital.

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