O Acordo Mercosul-UE de volta

Adhemar Mineiro
Terapia Política
Foto montagem das bandeiras da União Europeia e do Mercosul lado a lado. (Créditos: adaptação foto de CGinspiration/Getty Images via Canva com foto mtcurado/Getty Images via Canva.)

A reunião do Mercosul na semana passada em Montevidéu, Uruguai, poderia ter sido marcada por vários temas caros ao processo de integração regional, que é a alma do Mercosul. A passagem da presidência pró-tempore do Uruguai para a Argentina, o mais trivial e corriqueiro, mas que nesse caso ganha relevo pelo fato de o presidente argentino ser Javier Milei, um crítico do Mercosul, que vai ter que assumir essa bandeira.

 

Foto montagem das bandeiras da União Europeia e do Mercosul lado a lado. (Créditos: adaptação foto de CGinspiration/Getty Images via Canva com foto mtcurado/Getty Images via Canva.)

Para que firmar um acordo com as premissas do fim do Século XX (liberalização comercial e financeira) em um mundo que muda rapidamente? Por que não reforçar a integração regional? (Créditos: adaptação foto de CGinspiration/Getty Images via Canva com foto mtcurado/Getty Images via Canva.)

 

Os 30 anos do Protocolo de Ouro Preto, que estabeleceu a estrutura institucional do Mercosul. A incorporação em uma reunião, pela primeira vez, da Bolívia como membro pleno do Mercosul, um passo muito importante para começar a dar uma cara andina ao grupo e sinalizar sua ampliação.

 

A aprovação do Panamá como estado associado ao Mercosul, o que seria uma enorme sinalização de que o grupo, para além da América do Sul, coloca um pé na América Central rumo a uma integração latino-americana.

 

Vários pontos muito importantes. Tudo absolutamente ofuscado pelo anúncio da conclusão das negociações dos textos do Acordo de Parceria entre o Mercosul e a União Europeia.

 

E vale observar a contradição: o anúncio é um tiro no processo de integração, pois pelo acordo se reforça a exportação de produtos primários do Mercosul rumo à União Europeia, aprofundando a competição entre os quatro países hoje diretamente envolvidos do lado do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai), todos produtores de carnes e soja. Ao invés de um sinal à integração regional, um sinal à desintegração e à competição.

O Acordo vinha sendo negociado desde o final dos anos 1990. Não é apenas um acordo comercial, tem um tripé que é sua base: acordo comercial, acordo de diálogo político e acordo de cooperação, as três coisas embricadas (como foi negociado em conjunto, em negociações em que várias “trocas” foram feitas, é possível que, nesse processo, concessões em um dos pontos do tripé tenham sido feitas em nome de ganhos em outro ponto do tripé).

 

E já havia anunciado a finalização das negociações antes, em 2019, na época, sendo Bolsonaro presidente do Brasil. Naquela altura, como agora, se anunciou a conclusão dos textos, que passariam em seguida a um processo que pode ser longo também agora: revisão jurídica, tradução para a aprovação nas dezenas de línguas existentes na União Europeia, aprovação pelos parlamentos nacionais dos países do Mercosul e da UE, aprovação pelo Parlamento Europeu e finalmente, assinatura.

 

Naquela altura, muitos não ficaram felizes com o resultado, e por questões de preocupações ambientais, os negociadores europeus, pressionados por setores políticos na Europa, começaram a advogar um tal “protocolo ambiental” que seria adicionado ao acordo.

 

Eram anos do governo Bolsonaro por aqui, e do fogo queimando forte no Pantanal, na Amazônia e em outros biomas, e as preocupações europeias tomavam forma muito clara, pois muitos do entorno do governo defendiam as queimadas para avanço da agricultura e mineração nas novas áreas, o que acirrou a preocupação europeia e fez com que muitos líderes europeus temessem a imagem de assinarem um acordo com Bolsonaro na mesma foto.

 

Depois, a partir de 2020, tivemos a pandemia da Covid, as coisas foram esfriando e voltando a negociações fechadas e consultas. A partir de 2022, com a possibilidade de vitória de Lula nas eleições, foi tudo bem devagar para tentar esperar o novo governo.

 

Até hoje, os textos que conhecemos publicamente do Acordo são os concluídos em 2019, divulgados primeiramente pelo Uruguai, e depois pelos demais países do Mercosul. Mas, assim que assume em 2023, o novo governo brasileiro inicia um processo de renegociação do que havia sido fechado anteriormente, aproveitando que os europeus queriam adicionar coisas (o tal protocolo ambiental) e buscando ganhar algum espaço em outras áreas, como a proteção provisória de alguns setores da indústria, alguma defesa de pontos da agricultura familiar e algum espaço para políticas públicas na área de compras governamentais, para tentar fazer políticas de desenvolvimento e, particularmente, poder levar adiante programas de reindustrialização.

 

Apesar de tudo isso, como nem todo acordo pode ser mexido neste processo, trata-se de um movimento claramente identificado como de “redução de perdas”, já que teríamos que buscar redações que nos garantissem, dentro da estrutura do acordo, obter algum espaço dentro das limitações que o Acordo prevê, e não ficar totalmente na situação atual, em que não temos limitações.

 

O que foi de fato obtido, veremos quando finalmente o texto for divulgado.

 

De qualquer modo, o Acordo é, na sua essência, muito ruim. É um acordo que se poderia chamar de neocolonial, onde os países do Mercosul, Brasil incluído, reforçam sua característica primário-exportadora, conseguindo algum acesso ao mercado europeu de commodities agrícolas, minerais e energéticas, em troca de concessões enormes aos europeus nas áreas de bens industriais, serviços, compras públicas e outras.

 

Desse ponto de vista, não aponta nada de novo, mas sim reforça as velhas características de um desenvolvimento econômico e social baseado na agricultura e mineração, e reforça politicamente essas elites no interior dos países.

 

Tanto que, desde que o governo Lula assumiu, toda a lógica da renegociação dos pontos acordados antes foi de redução de perdas, abrindo (algum) espaço. E as defesas internamente iam muito mais pelo caminho de criar alternativas em um mundo polarizado e reforçar o multilateralismo comercial (este último argumento, reforçado depois da vitória de Trump nos EUA).

 

Ora, se era para isso, não seria melhor fazer um acordo político nessa direção, sem ter que aceitar um brutal contrapeso representando perdas na área econômica e comercial?

 

Para que firmar um acordo com as premissas do fim do Século XX (liberalização comercial e financeira) em um mundo que muda rapidamente? Por que não reforçar a integração regional?

 

 

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É isso que vamos ver na discussão a partir daqui. Se os textos negociados valerem, pois como foi dito, os textos também haviam sido fechados em 2019, e as conversas voltaram. Também pode acontecer isso agora, já que existe reação de alguns países da União Europeia.

 

Particularmente a rejeição francesa é explícita: o governo francês já disse várias vezes que o texto atual é inaceitável. Ou seja, o fim do filme ainda está incerto. Mas o final desenhado até aqui não é bom.

 


Artigo publicado originalmente no blog Terapia Política.