Reativar o setor de fertilizantes como estratégia para fortalecer a indústria nacional

Fernanda Brozoski, Mahatma dos Santos, Ticiana Alvares
Le Monde Diplomatique Brasil
Imagem panorâmica da Fábrica de fertilizantes Araucária Nitrogenados S.A. (ANSA), no Paraná. Foto: Agência Petrobras.

A Petrobras, em seu Plano de Negócios 2025-2029 (PN 2025-2029), lançado em 21 de novembro, sinaliza a adoção de duas estratégias com forte sinergia: o retorno ao setor de fertilizantes e a expansão da produção e da disponibilidade de gás natural. Atualmente, a limitada oferta de gás natural constitui um dos principais entraves à competitividade e viabilidade econômica da produção nacional de fertilizantes nitrogenados.

 

Imagem panorâmica da Fábrica de fertilizantes Araucária Nitrogenados S.A. (ANSA), no Paraná. Foto: Agência Petrobras.

Fábrica de fertilizantes Araucária Nitrogenados S.A. (ANSA), no Paraná. (Foto: Agência Petrobras.)

 

A volta da Petrobras a esse segmento representa três avanços significativos. Primeiro lugar, evidencia que a empresa reconhece seu papel estratégico na redução da dependência externa de fertilizantes, um problema crônico do Brasil. Em segundo, marca um passo importante para reparar os prejuízos sociais e econômicos causados pela retirada da empresa desse setor. Por fim, indica o interesse da estatal pelo adensamento produtivo, alinhando-se às iniciativas do governo federal voltadas à transição energética e à reindustrialização do país.

 

A abundância de gás natural confere ao Brasil grande potencial para expandir sua produção de fertilizantes nitrogenados. Contudo, apesar desse potencial, a evolução da produção interna de fertilizantes não acompanhou o crescimento da demanda, resultando em uma elevada dependência de importações.

 

 

Isso expõe fortemente o país a fatores externos, como variações nos preços internacionais, oscilações cambiais, custos de frete e dificuldades logísticas, impactando diretamente o setor agrícola, um dos pilares da economia brasileira e da segurança alimentar.

 

O PN 2025-2029 anuncia o retorno da Petrobras ao setor de fertilizantes, revertendo sua decisão de 2016 de se retirar integralmente do segmento, e sinaliza a intenção da estatal de recuperar ativos arrendados ou hibernados durante o governo de Jair Bolsonaro.

 

Em 2019, as fábricas de fertilizantes da Bahia (Fafen-BA) e de Sergipe (Fafen-SE) foram desativadas e arrendadas à Proquigel e, no ano seguinte, a Petrobras também hibernou a principal planta de produção de nitrogenados do país, a Araucária Nitrogenados S.A. (Ansa – Fafen-PR).

 

Segundo a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), o número de vínculos empregatícios referentes à categoria “fabricação de adubos e fertilizantes” nos municípios onde se localizam as três plantas teve redução de 43% de 2019 para 2020. Assim, reativar essas fábricas também é resgatar postos de trabalho, revitalizar as economias locais afetadas e gerar novas oportunidades de emprego e renda.

 

Em 2024, a Petrobras decidiu reabrir a Fafen-PR e aprovou investimentos para retomar as obras da Unidade de Fertilizantes Nitrogenados III (UFN III) em 2025, situada em Três Lagoas, Mato Grosso do Sul. A localização dessa planta é considerada estratégica pela potencial integração com o Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol) e proximidade de importantes mercados consumidores.

 

É interessante notar que “o retorno ao segmento de fertilizantes” anunciado no PN 2025-2029 inclui as unidades da Bahia e de Sergipe, cujos contratos de arrendamento seguem vigentes até 2029. No total, considerando as quatro unidades, a Petrobras projeta uma capacidade de produção de 2.820 quilotoneladas por ano (kta) de ureia, 370 kta de amônia para comercialização e 365 kta de agente redutor líquido automotivo (Arla). Esse volume representa 35,0% da oferta nacional de ureia.

 

Dos US$ 19,6 bilhões destinados a investimentos no segmento de Refino, Transporte e Comercialização (RTC), US$ 0,9 bilhão será direcionado aos setores de Comercialização, Petroquímica e Fertilizantes, o que corresponde a 4,6% do total previsto na carteira RTC. A Petrobras justifica a reintegração do segmento de fertilizantes ao seu portfólio como parte da estratégia de diversificar seu parque industrial, priorizando projetos com retorno financeiro atrativo.

 

A retomada das atividades das Fafens e os novos investimentos no setor de fertilizantes são fundamentais para reduzir a vulnerabilidade externa brasileira. Contudo, o pleno desenvolvimento desse segmento, tornando-o capaz de atender à elevada demanda nacional, requer políticas e investimentos direcionados ao fortalecimento da indústria de gás natural.

 

 Nesse contexto, o governo brasileiro tem adotado medidas para ampliar a oferta desse insumo, incluindo regulamentações como o Decreto 12.153/2024, o “Gás para Empregar”, e iniciativas para assegurar a importação, como o acordo recém-firmado para a aquisição de gás proveniente de Vaca Muerta, na Argentina.

 

Em linha com essa diretriz, o PN 2025-2029 apresenta projetos voltados à expansão da oferta e disponibilização de gás natural produzido pela Petrobras, a maior produtora nesse segmento.

 

Embora a Petrobras projete que a participação do gás natural na matriz energética brasileira permanecerá em torno de 8,0% até 2050, sem apresentar crescimento, a empresa busca expandir a oferta desse insumo para atender à demanda interna no curto prazo. Para isso, prevê a ampliação da infraestrutura de gás natural, com a inclusão de quatro unidades de processamento, dois terminais de regaseificação e três novos gasodutos (Rota 3, Raia[1] e Seap).

 

Essa iniciativa faz parte da estratégia da estatal de maximizar o valor do segmento de Exploração e Produção (E&P), consolidando sua posição no mercado nacional.

 

Estima-se que a nova rede de dutos possa atingir uma capacidade total de 55 milhões de m³/dia. Contudo, até 2028, apenas o Rota 3 estará em operação. O projeto Raia, não operado pela Petrobras, tem início previsto para 2028, enquanto o Seap só entrará em operação a partir de 2030.

 

Assim, no curto prazo, o aumento da oferta de gás da Petrobras dependerá da importação dessa commodity e do transporte de parte de sua produção através do gasoduto Rota 3. A questão que se apresenta, considerando tais projeções, é se essas medidas serão suficientes para atender à atual demanda interna de gás natural.

 

A Petrobras também anunciou no PN 2025-2029 seu retorno à produção de etanol, destinando US$ 2,2 bilhões em novos investimentos, resolução condizente com o objetivo de ampliar sua oferta de biocombustíveis.

 

Essa medida também sinaliza outra possível sinergia com a cadeia de fertilizantes, uma vez que a produção de etanol requer um suprimento adequado de ureia, insumo utilizado no processo de fermentação. Assim, a produção de etanol está associada à necessidade de acesso à ureia em condições mais competitivas, o que, por sua vez, exige maior disponibilidade de gás natural como matéria-prima.

 

Além de fortalecer a sinergia com a indústria de gás natural, também é essencial explorar conexões com outras cadeias produtivas, como a do hidrogênio (H₂). Atualmente, um uso mais difundido do H₂ verde é limitado devido a seu alto custo de fabricação, mas esse custo tende a diminuir com a diversificação das rotas de produção que estão no horizonte.

 

Um dos principais usos do hidrogênio é a transformação em amônia, insumo essencial para a fabricação de fertilizantes nitrogenados. O uso do H₂ azul e verde na fabricação de fertilizantes de baixas emissões de carbono não só abre portas no crescente mercado de insumos agrícolas verdes, mas também pode ser um ponto de partida para expandir outras promissoras aplicações, como a fabricação de combustíveis sintéticos para aviação, navegação e outros modais de transporte.

 

As projeções indicam que, nas próximas décadas, os combustíveis derivados do H₂ terão ampla inserção nesses setores, alcançando quase um quarto do consumo total mundial em 2050 (IEA, 2021)[2].

 

No PE 2024-2028, o hidrogênio, em conjunto com o CCUS e corporate venture capital, recebeu uma alocação de apenas US$ 0,3 bilhão, que foi ampliada para US$ 0,5 bilhão no novo plano. Apesar do aumento, esse valor ainda é bastante modesto diante do potencial de mercado e de desenvolvimento das cadeias industriais em torno do H₂ de baixo carbono, respaldado, agora, por um marco legal.

 

Outra matéria-prima que pode substituir o gás natural na fabricação de nitrogenados, reduzindo as emissões de carbono e disponibilizando produtos mais sustentáveis, é o biometano. No entanto, assim como o H₂ verde, o biometano ainda apresenta altos custos de produção, mas tem potencial para se tornar uma alternativa viável à medida que a tecnologia avança e a produção ganha escala.

 

No novo PN, o biometano recebeu um aporte de US$ 0,6 bilhão, em conjunto com o biodiesel, e está previsto para ser integrado às operações de descarbonização da Petrobras.

 

 

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Para consolidar-se como uma empresa de energia relevante no longo prazo, a Petrobras deve incorporar com maior ênfase as tecnologias emergentes que configuram as tendências futuras do setor. Nesse sentido, além de apostar na rota orgânica, atualmente em destaque, a Petrobras também deve intensificar investimentos na rota eletrolítica e diversificar suas atividades, buscando aproveitar oportunidades de mercado a longo prazo. Esse movimento é ainda mais estratégico dado o grande potencial do Brasil para a produção de energias limpas e renováveis.

 

Enfrentar a elevada dependência da importação de fertilizantes é importante para a produção de alimentos e para a economia brasileira, dado o peso do setor agropecuário no PIB e nas exportações. No entanto, para transformar a produção interna de fertilizantes em um pilar de desenvolvimento e segurança alimentar, é preciso adotar estratégias mais abrangentes, que integrem outros setores econômicos e políticas públicas.

 

Além de conciliar as indústrias de gás natural e fertilizantes, é essencial estabelecer conexões com outras cadeias com grande potencial para o adensamento produtivo. O PN 2025-2029 sugere que a Petrobras considera essas possibilidades, mas é fundamental que tal percepção se traduza em projetos concretos incorporados de forma consistente ao planejamento de curto e longo prazos da empresa.

 

Notas

 

[1] O Projeto Raia, situado na Bacia de Campos, é um consórcio que tem a seguinte composição: Equinor (35%), Repsol Sinopec (35%) e Petrobras (30%).

 

[2] Net Zero by 2050 – Analysis.

 


 

Artigo publicado originalmente no Le Monde Diplomatique Brasil.