Petrobras avança na transição energética, mas ainda com cautela
Le Monde Diplomatique Brasil
Poucos dias após o encerramento do G20, no qual a transição energética foi um dos principais temas em pauta, e em meio à COP29 – marcada por impasses sobre financiamento climático e distanciamento dos combustíveis fósseis –, a Petrobras apresentou suas ambições em seu Plano Estratégico (PE) 2050 e Plano de Negócios 2025-2029.
Enquanto o Brasil se prepara para sediar a COP30 em Belém e avança em políticas públicas voltadas à transição energética, a estatal, pela primeira vez em um plano estratégico, assume o objetivo de se tornar liderança na transição energética justa do país, mantendo o foco em óleo e gás.
Com base no entendimento de que a velocidade da transição energética ainda é incerta, a Petrobras busca manter sua representatividade de cerca de um terço na oferta primária de energia no Brasil em 2050, estabelecendo como meta que entre 8% e 11% dessa participação seja oriunda de fontes renováveis desenvolvidas pela empresa.
Para alcançar esse futuro, a presidente Magda Chambriard enfatiza a necessidade de crescimento da companhia. O Plano Estratégico 2050 deixa claro que essa trajetória se dará por meio da atuação no pré-sal e em novas fronteiras, visando garantir a segurança energética do país e financiar a transição energética justa.
O PE 2024-2028+ já havia incorporado a transição energética justa como um dos direcionadores do posicionamento em Ambiental, Social e Governança (ASG) da Petrobras, promovendo a adaptação de políticas, processos e novos investimentos. Agora, o Plano de Negócios 2025-2029 reforça a transversalidade da transição energética justa nos negócios da empresa e demonstra maior comprometimento por meio da ampliação dos investimentos e da diversificação de iniciativas, com a adoção de estratégias para cada segmento. No entanto, tal reforço nos compromissos ainda carece de detalhamento e robustez em algumas áreas.
Considerando as iniciativas voltadas à transição energética para o período entre 2025 e 2029, o investimento total previsto é de US$ 16,3 bilhões. Esse montante abrange projetos em energias de baixo carbono (US$ 5,7 bilhões) e de bioprodutos (US$ 4,3 bilhões), descarbonização das operações (US$ 5,3 bilhões) e pesquisa, desenvolvimento e inovação em soluções de baixo carbono (US$ 1,0 bilhão), estando alocado de forma transversal a todos os segmentos da companhia.
O volume representa cerca de 15% do CAPEX (investimentos em bens de capitais) total estimado para o quinquênio, sendo um avanço em relação ao plano anterior, que destinava 11% (equivalente a US$ 11,6 bilhões), refletindo um aumento de 42%.
Chama a atenção, contudo, que, na carteira de Gás e Energias de Baixo Carbono, apesar do aumento de 26% nos investimentos e da maior diversidade de iniciativas, focadas principalmente na redução das emissões de escopo 3, o montante efetivamente em implantação apresenta-se inferior ao previsto no ano passado.
No PE 2024-2028+, cerca de 66% dos projetos estavam em fase de avaliação. No novo planejamento, esse percentual subiu para 72%, refletindo uma concentração maior de projetos nessa etapa dentro da carteira (composta majoritariamente por esses projetos) e evidenciando a postura ainda cautelosa da empresa na geração de renováveis. Isso tudo mesmo esperando uma taxa de retorno interno de até 10%, superando a projeção de 8% no plano anterior para esse segmento.
Há destaque evidente sobre alternativas que apresentam maior sinergia com as operações de óleo e gás, especialmente os biocombustíveis. De acordo com o plano, esses, favorecidos pelo avanço regulatório, tendem a se consolidar como a alternativa “natural” para a descarbonização dos setores de transporte, particularmente o transporte leve movido a gasolina, nos próximos anos.
Essa escolha não apenas pode assegurar à Petrobras um posicionamento estratégico imediato em um mercado em expansão, mas também reflete “o DNA da empresa”, como afirmado pela presidenta Chambriard. Ela ressalta que, no âmbito das energias de baixo carbono, a Petrobras não deve se limitar ao elétron, mas deve investir em moléculas, aproveitando infraestruturas existentes, como dutos e embarcações, essenciais para o manuseio de líquidos.
Os biocombustíveis líquidos integram o portfólio ampliado de bioprodutos, que agora abrange as cadeias de etanol, biodiesel e biometano, além da rota de biorrefino prevista no PE anterior. A inclusão desses biocombustíveis resultou em um incremento de US$ 2,8 bilhões nos investimentos totais. Enquanto o biorrefino manteve o volume de US$ 1,5 bilhão – para produção de diesel R, bioquerosene de aviação e diesel verde (HVO) nas refinarias do Sul e Sudeste –, os novos recursos foram alocados principalmente ao etanol, com expressivos US$ 2,2 bilhões, e ao biodiesel e biometano, que juntos devem receber US$ 0,6 bilhão.
Cabe mencionar que o etanol tem a perspectiva de impulsionar uma das rotas de produção de bioquerosene de aviação, enquanto o biodiesel apresenta potencial para aplicação em combustíveis marítimos, contribuindo para a formulação de bunker com conteúdo renovável.
Para ingressar nessas cadeias recém incorporadas, a Petrobras está buscando estabelecer preferencialmente parcerias estratégicas minoritárias ou com controle compartilhado, com players relevantes do setor.
Com efeito, tanto o mercado brasileiro de etanol quanto o de biodiesel já contam com grandes players consolidados, além de políticas públicas e regulamentações estruturadas, como o RenovaBio e o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel. O recente estabelecimento do Programa Combustível do Futuro também reforça o fortalecimento do setor de biocombustíveis.
Apesar de faltarem definições, a declaração do diretor executivo de transição energética, Maurício Tolmasquim, sobre a intenção da Petrobras de produzir 2 bilhões de litros de etanol por ano, por exemplo, reforça questionamentos sobre como a empresa irá se posicionar de modo a atingir tal relevância neste mercado amplamente dominado por grandes companhias verticalizadas do agronegócio, que, inclusive, se beneficiaram com a saída da Petrobras do ramo de biocombustíveis a partir de 2016.
Cabe lembrar que a Petrobras já esteve em ambos os mercados por meio da sua subsidiária Petrobras Biocombustível (PBio), recém retirada da carteira de desinvestimentos. Durante o processo de tentativa de venda, a PBio se desfez de todas as participações nas plantas produtivas de etanol e de biodiesel, mantendo a atuação somente por meio de suas usinas próprias de biodiesel.
Atualmente, a Petrobras está avaliando alternativas e modelos de negócio para a PBio por meio de parcerias que possam potencializar sua atuação, considerando novas oportunidades de negócios e possíveis sinergias entre os ativos da companhia.
Pode-se afirmar que, dependendo da forma como a Petrobras retomar sua atuação nesses combustíveis e do processo de fortalecimento da PBio, esse movimento tem o potencial de fomentar e estabelecer parâmetros de práticas sustentáveis e inclusivas neste setor no Brasil. Por exemplo, por meio da incorporação de agricultores familiares e catadores de resíduos líquidos recicláveis (como OGRs) na cadeia produtiva e da diversificação de matérias-primas, contribuindo para o avanço em direção a uma transição energética justa.
Enquanto isso, o programa de biorrefino da empresa segue em expansão. O plano apontou que a capacidade instalada para produção de diesel R, por rota de coprocessamento, aumentou em 7%, com potencial de 63 mil barris/dia (mbpd) e de ampliar ainda em 11 vezes, a depender da regulação. Após 2029, a estatal pretende expandir a produção para outras refinarias, oferecendo 44 mbpd de SAF e HVO (diesel 100% renovável), sendo 15 mbpd do projeto de bioQAV da Refinaria Presidente Bernardes, 19 mbpd da planta de bioQAV do Complexo Boaventura, e 10 mbpd da planta de SAF da Replan.
Também estão em avaliação projetos em parceria com a Acelen (20 mbpd) e com a Refinaria Riograndense (15 mbpd).
Em relação aos projetos de energias de baixo carbono, a companhia buscará atuar preferencialmente em parceria com empresas de grande porte do setor, de modo a alcançar 4,5GW, isto é, 45% de capacidade instalada de geração elétrica por fontes renováveis em 2030. Descarbonização das operações, integração da carteira de baixo carbono e captura de oportunidades de mercado no Brasil compõem os objetivos dessa atuação.
Para tanto, contudo, o plano reduz o montante de investimentos para geração de energia renovável, destinando US$ 4,3 bilhões para as fontes eólica onshore e solar fotovoltaica, configurando uma queda em relação aos US$ 5,2 bilhões previstos no PE anterior, que também incluía investimentos em eólicas offshore. No novo plano, os projetos de eólicas offshore foram realocados para um grupo que abrange iniciativas de captura, utilização e armazenamento de carbono (CCUS) e corporate venture capital, com um total de US$ 0,9 bilhão.
Segundo Tolmasquim, eólicas offshore não ganharam destaque devido à falta de um marco para o setor – referindo-se ao PL das eólicas offshore que está prestes a ser votado no Senado. Ou seja, tudo indica que essa alternativa energética está compondo uma fatia ainda menor dentro daquele valor.
Por sua vez, o hidrogênio, que no plano anterior dispunha de apenas US$ 0,3 bilhão alocado em conjunto com CCUS e corporate venture capital, agora conta com uma previsão de investimento de US$ 0,5 bilhão. Apesar de a Petrobras reconhecer a importância estratégica do hidrogênio de baixo carbono e seus derivados, tanto para a descarbonização de suas próprias operações – sendo a maior produtora e consumidora de hidrogênio cinza no país – quanto como um produto essencial para reduzir emissões nos setores industrial, aéreo e marítimo, o montante previsto ainda é considerado modesto frente ao potencial e à relevância desse mercado em ascensão mundialmente.
Mesmo com a instituição do marco legal do hidrogênio de baixo carbono no Brasil neste ano e a assinatura de compromissos internacionais do país com diferentes atores para impulsionar a produção desse vetor energético – especialmente nos hubs do Nordeste –, o plano ainda não evidencia iniciativas relacionadas à captura de carbono para transformar, por exemplo, o H₂ cinza em H₂ azul ou à produção de combustíveis sintéticos.
Essas lacunas ainda expõem um ponto crítico na atuação da estatal, que poderia estar direcionando esforços visando o adensamento da cadeia produtiva, além da redução das desigualdades regionais, por meio de um posicionamento estratégico no Nordeste.
Já com relação ao CCUS, a Petrobras mantém a meta de 80MtCO2 de reinjeção acumulada em 2025, prevista no PE anterior. Reafirma também a implantação do piloto de CCS no Rio de Janeiro e anuncia projetos em estudos no Espírito Santo, São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro e Amazonas, que chegam a 57MtCO2 por ano. O objetivo não se limita à descarbonização de suas próprias operações, mas também abrange a oferta de serviços a terceiros.
Embora metas de redução da intensidade de emissões de gases de efeito estufa nos segmentos de exploração e produção e do refino e nas emissões de metano no upstream para 2030 permaneçam iguais, os investimentos direcionados à mitigação nos escopos 1 e 2 — abrangendo todo o processo produtivo da companhia — saltaram de US$ 2,9 bilhões para US$ 4,0 bilhões, um aumento de quase 40%, possivelmente contemplando os novos projetos.
Ademais, o fundo de descarbonização teve sua previsão ampliada para US$ 1,3 bilhão, um incremento de 30%.
Além dos esforços de descarbonização intrínsecos às suas operações, a Petrobras prevê o uso de compensação por créditos de carbono como ferramenta complementar para alcançar a neutralidade de emissões até 2050, especificando o limite de compensação de até 20% do total emitido.
Considerando a aprovação do mercado regulado de carbono pela Câmara dos Deputados em novembro, e sua tramitação para sanção presidencial, a Petrobras anuncia que está se preparando para se inserir nesse mercado.
Diante disso, é notável que o PE 2050 da Petrobras demonstra um retorno à visão de longo prazo, com avanços significativos na comunicação e transparência de suas iniciativas voltadas à transição energética, além de uma maior diversificação de suas ações.
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Se, por um lado, a presidenta da empresa garante que todos os projetos estão totalmente alinhados ao Acordo de Paris e aos compromissos de políticas públicas do governo, por outro, é necessário questionar se, dada a concentração do segmento de gás e energias de baixo carbono na carteira de projetos em avaliação, esses esforços serão suficientes para que a empresa alcance a liderança da transição energética no Brasil.
Como o próprio PE 2050 indica, os próximos cinco anos são cruciais para pavimentar esse caminho. Assim, a Petrobras precisará ir além de sua recente atuação focada na garantia de lucros e dividendos, e assumir riscos elevados, investindo em soluções inovadoras que assegurem não apenas a transição energética justa e inclusiva, mas, de fato, a segurança energética do país no longo prazo.
Artigo publicado originalmente no Le Monde Diplomatique Brasil.