O G20 no Brasil, à espera do novo governo Trump
Jornal GGN
A realização da Cúpula de Chefes de Estado do G20, realizada em novembro, no Rio de Janeiro, marcou uma vitória importante da diplomacia brasileira, embora possa ser efêmera. A responsabilidade de presidir o grupo ao longo deste ano permitiu ao Brasil emplacar temas que são caros à agenda de política externa do terceiro governo Lula, a exemplo dos dois primeiros mandatos do presidente (2003-2010).
Considerando-se que, no primeiro decênio do século XXI, a agenda de combate à fome e à pobreza e a reforma das instituições internacionais consistiram em elementos prioritários para o desenvolvimento das ações externas do Brasil, eles aparecem novamente – aliado ao tema do desenvolvimento sustentável – como pilares estruturantes da inserção internacional brasileira.
Paralelamente, mirando a realização da COP30, em Belém, no próximo ano, a delegação brasileira foi a Baku, no Azerbaijão, para participar da COP29 e exercer protagonismo em relação ao compromisso com as metas de enfrentamento das mudanças climáticas e com ações de transição energética.
O aproveitamento dos espaços institucionais de ambos os eventos – G20 e COP – como plataformas para impulsionar as principais pautas da agenda governamental ilustra a primazia por uma atuação por meio de fóruns multilaterais para propor mudanças abrangentes perante a comunidade internacional.
O resgate do multilateralismo é fundamental para romper com um período no qual o Brasil optou por adotar uma postura mais isolacionista, alinhando-se automaticamente às posições emanadas pelo governo dos Estados Unidos, então liderado por Donald Trump.
A propósito, o retorno de Trump à presidência desse país a partir de 2025 constitui um fator que pode colocar em xeque os avanços da agenda proposta pelo Brasil, minando a importância dos fóruns multilaterais como instâncias decisórias e gerando um retrocesso na consecução das metas ambientais oriundas do Acordo de Paris. Se esse for o caminho, a vitória diplomática conseguida no G20 do Rio de Janeiro pode rapidamente virar história, frente às mudanças de cenário no mundo a partir de janeiro do ano que vem, com o novo governo nos EUA.
Dentre as principais vitórias do governo no G20 encontra-se a criação da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que teve, a princípio, a adesão de mais 82 países, ou seja, foi muito além do próprio G20. Essa iniciativa significa a retomada de uma agenda que já havia sido impulsionada em 2004, quando Lula lançou a “Ação contra a Fome e a Pobreza”, no âmbito da Organização das Nações Unidas, e coordenada sobretudo com os governos da França, da Espanha e do Chile.
Essa empreitada marcou o alinhamento entre a política doméstica e a política externa do governo, o que permitiu difundir também no exterior a agenda social levada adiante no país. Nesse sentido, deve-se recordar que, também em 2004, foi criado oficialmente o Programa Bolsa Família e, em 2003, o Fome Zero.
No seio do Itamaraty, diretamente ligada à Secretaria-Geral do ministério, foi constituída a Coordenação-Geral de Ações Internacionais de Combate à Fome (CGFOME), o que demonstra a relevância do tema e sua instrumentalização pela diplomacia. Após sua extinção no governo de Michel Temer em 2016, essa coordenação foi recriada, em 2023, e rebatizada uma nova estrutura, a Coordenação-Geral de Segurança Alimentar.
Portanto, não é novidade o movimento do governo Lula de difundir externamente, exercendo um papel de liderança, uma agenda social doméstica.
O que é novo é a instância multilateral escolhida. Em vez da ONU, Lula aproveitou o exercício da presidência brasileira do G20 para atrair as maiores economias do mundo ao projeto e buscar garantir fontes de financiamento robustas e duráveis, especialmente via agências financeiras multilaterais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Banco Mundial, que permitam a continuidade das políticas de combate à fome e à pobreza.
Se o G20 representou um avanço significativo para a recuperação do protagonismo do Brasil na arena internacional, a COP30 consistirá em um desafio muito maior à liderança do país em relação às mudanças climáticas.
Embora tenham sido estabelecidas as bases para a regulamentação do mercado de carbono, os resultados da COP29 ficaram muito aquém do esperado. O valor dos recursos financeiros destinados à implementação de ações de mitigação foi fechado em US$ 300 bilhões, muito longe de US$ 1,3 trilhão, quantia pleiteada pelos países em desenvolvimento.
Além disso, contrariamente ao ocorrido na COP28, o acordo fechado na COP29 não fez menção ao fim da exploração de combustíveis fósseis – especialmente em função do bloqueio dos países árabes, grandes produtores de petróleo – apontando para o enfraquecimento das discussões sobre transição energética, o que pode, dentre outros motivos, comprometer a meta de atingir zero emissões líquidas até 2050.
A criação e regulação do mercado de carbono, aprovada no início da reunião, foi delegada à ONU para detalhamento e regulamentação, o que pode acabar exigindo muito tempo.
Com a chegada de Trump ao governo no ano que vem, o fracasso relativo da COP29 tende a se repetir e se aprofundar em níveis mais elevados na COP30, em Belém.
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Historicamente avesso às pautas ambientais, o futuro presidente estadunidense deve travar negociações ambiciosas que busquem acelerar os planos de mitigação. No primeiro governo, ele retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris e, atualmente, sua equipe de transição já prepara novamente a retirada do país do acordo.
Espera-se, com essa orientação do novo governo dos EUA, que haja fôlego à indústria petrolífera, o que poderá dificultar um consenso sobre o fortalecimento de ações de transição energética. Além disso, em 2025, os Estados Unidos – como membro da “troika” do G20, já que assumirá sua presidência em 2026 – participarão da organização da Cúpula do grupo, que será presidido pela África do Sul.
Como o Brasil também integra a “troika” – formada pelo país anfitrião, o anterior e o futuro; nesse caso, África do Sul, Brasil e EUA–, pode haver dificuldades de coordenação, tendo em vista que os interesses brasileiros em preservar suas agendas podem conflitar com os interesses estadunidenses.
Artigo publicado originalmente no Jornal GGN.