A reforma tributária e o setor de óleo e gás

Adhemar Mineiro
Poder360

O setor de óleo e gás (O&G) é um vetor central da reforma tributária em discussão. Mudanças nesse segmento causam impactos socioeconômicos significativos, tanto para o país como para os consumidores.

 

Imagem de diversos barris de petróleo empilhados; ao fundo, o céu azul. Foto: Fahroni/Canva.

É essencial expandir a discussão além da simplificação tributária, atualmente dominada por lobbies setoriais, para incluir aspectos estratégicos da transição energética. (Foto: Fahroni/Canva.)

 

Alterações na estrutura tributária podem influenciar substancialmente os preços dos derivados de petróleo para o consumidor, visto que os tributos chegam a representar, atualmente, cerca de 30% do preço da gasolina e do diesel e pouco menos de 20% do GLP.

 

A regulamentação de alguns tributos, como o imposto seletivo, também pode impactar diretamente a produção de petróleo e seu comércio exterior, afetando tanto a importação quanto a exportação. Além disso, a tributação sobre os derivados de petróleo desempenha um papel relevante na arrecadação e nas finanças estaduais. Apesar disso, alguns temas essenciais estão sendo preteridos no debate da reforma.

 

 

A tributação sobre o GLP afeta desproporcionalmente a população de baixa renda, que depende do gás de cozinha. Da mesma forma, a incidência tributária sobre a gasolina pode influenciar as decisões em relação ao transporte individual.

 

Também é importante considerar que, em 2022, as reduções tributárias mostraram um impacto limitado nos preços finais, sugerindo que essa diminuição foi absorvida por outros agentes na formação de preços.

 

Portanto, o debate em torno da regulamentação da reforma tributária deverá levar em conta os diversos interesses em jogo, de importadores, exportadores, atacadistas, postos, produtores, consumidores e muitos outros.

 

Entretanto, além das repercussões econômicas imediatas, a reforma tributária pode impactar o planejamento econômico de longo prazo. A regulamentação e a flexibilidade permitida pela nova estrutura tributária podem influenciar a transição energética em relação aos derivados de petróleo.

 

Nesse contexto, a reforma tem potencial para promover mudanças na matriz energética brasileira, desincentivando a produção e o uso de combustíveis cuja demanda deve ser reduzida e, ao mesmo tempo, promovendo, por meio de incentivos fiscais, o aumento da participação de fontes energéticas e combustíveis menos intensivos em carbono.

 

Todavia, ao analisarmos o debate atual, nota-se uma escassez de discussões sobre o redesenho do consumo de combustíveis no Brasil, especialmente à luz das necessidades da transição energética.

 

Há uma desconexão entre as propostas da reforma tributária, atualmente em discussão no Congresso e apresentadas pelo Ministério da Fazenda, e o programa “Nova Indústria Brasil”, lançado pelo governo no final do ano passado. Este último visa a revitalização da industrialização brasileira em novas bases, incorporando a transição energética como um eixo transversal, buscando integrar diversos setores.

 

Em vez disso, as discussões no setor de O&G, assim como em outros setores, se restringiram ao debate sobre simplificação tributária, centrando-se na proposta de um imposto sobre o valor adicionado (IVA) não cumulativo. Essa proposta prevê a criação de dois tributos: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), destinado a consolidar os tributos devidos aos níveis subnacionais, e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que visa agrupar os tributos federais.

 

É provável que a reforma corrija, em certa medida, as “pedaladas” na tributação dos derivados de petróleo que foram implementadas pelo governo anterior durante a disputa eleitoral de 2022[1]. Entretanto, essa medida é ainda insuficiente para sinalizar o futuro, ela apenas corrige o passado.

 

Os impactos do imposto seletivo, que poderia ajudar a sinalizar um incentivo à transição energética, estão sob forte pressão de lobbies setoriais que acenam com a questão dos aumentos de preços no curto-prazo.

 

Outro ponto relevante de debate é o “Repetro”, um regime aduaneiro especial que permite a importação e a aquisição de bens destinados à pesquisa e lavra de petróleo e gás natural com a isenção de tributos federais.

 

Este regime, criado em 1999 e regulamentado pelo Decreto 6759 de 2009, permite a importação ou aquisição no mercado interno de matérias-primas, embalagens e produtos intermediários sem incidência de impostos federais, desde que utilizados na fabricação de produtos destinados à indústria petrolífera.

 

É evidente que os lobbies setoriais não querem abrir mão do Repetro. Aliás, essa situação é recorrente; uma vez criada alguma forma de desoneração – nesse caso, embutida em um regime aduaneiro especial –, torna-se quase impossível voltar à condição anterior.

 

 

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No caso do Repetro, seria fundamental articular o programa com o Nova Indústria Brasil, dando à suspensão caráter temporário, a fim de incentivar a produção doméstica de alguns dos produtos que hoje podem ser importados sob desoneração fiscal.

 

A discussão da reforma tributária deve ser retomada após as eleições de 2024 para a sua conclusão. No entanto, até o momento, observa-se uma falta de aprofundamento nas questões que poderiam conectar o presente ao futuro desejado em relação à transição energética no país.

 

É essencial expandir a discussão além da simplificação tributária, atualmente dominada por lobbies setoriais, para incluir aspectos estratégicos da transição energética.

 

 

Nota

 

[1] A esse respeito, vale a pena observar o texto de Carla Borges Ferreira, do INEEP, de abril de 2023, em Debate sobre os preços dos combustíveis segue dominado pela tributação.

 

 


 

Artigo publicado originalmente no Poder360.