Um cenário de incertezas

José Sérgio Gabrielli
Le Monde Diplomatique
Um cenário de incertezas

O atual Plano Estratégico (2023-2027) da Petrobras apresentou pouco crescimento dos investimentos em relação ao anterior (2022-2026), mantendo o grande foco no E&P (exploração e produção) do pré-sal, sem perspectivas de crescimento da capacidade de refino, com projeções de baixo crescimento da demanda de derivados no país. No que se refere à transição energética, a maior parte dos recursos planejados na área (84%) destina-se para a descarbonização dos processos da própria Petrobras. Como dito, no primeiro artigo desta série do Le Monde Diplomatique Brasil, “as métricas de topo da companhia preservaram questões de endividamento; e o principal público para geração de valor foi o acionista”.

 

 

Mais de uma década atrás, lá pelos anos de 2009, afirmávamos que: “A cadeia de fornecimento de bens e serviços para a indústria de petróleo e gás no Brasil, bem como a integração dos sistemas produtivos existentes com as novas fontes produtoras e refinadoras, exige a formulação de um modelo para o setor que privilegie a eficiência sistêmica, minimize os riscos da segmentação, potencialize a expansão dos setores que constituem a cadeia de suprimentos e defina uma repartição da renda petroleira, de forma a combinar o máximo benefício social com o ritmo adequado dos investimentos.” [1].

 

 

Passados quatorze anos dessas afirmações, muitas transformações ocorreram no modelo do setor de petróleo e gás no Brasil. No Plano Estratégico (PE) atual da Petrobras quase nada há sobre a cadeia de fornecedores, sobre a integração vertical da empresa, a importância de preservar a eficiência sistêmica e a combinação de distribuição de dividendos e investimentos. O PE 2023-2027 ignora que a empresa tem múltiplos públicos de interesse, além dos acionistas.

 

 

Como dito no segundo artigo desta série, ao restringir o nível de investimentos, as últimas gestões desconsideraram a necessidade de ampliar a exploração, ameaçando de morte o futuro da empresa, no que se refere à sua principal atividade no E&P. Implicitamente, o PE 2023-2027 admite que o crescimento da produção será inferior àquele projetado no PE 2022-2026, revelando problemas da continuidade da produção no médio prazo.

 

 

Faltaram horizontes de longo prazo na estratégia de negócios da Petrobras nos últimos anos, que se limitaram a planos quinquenais. A companhia admite que seu declínio natural da produção em alguns campos importantes está na faixa de 10% ao ano, percentual considerado maior do que a média do setor. Apesar disso, seus planos de negócio não reforçaram os investimentos em exploração, assim como não destacaram recursos para utilização de técnicas de recuperação avançada de campos específicos, com objetivo de manter seus níveis de produção por mais tempo.

 

 

O processo de desverticalização da companhia é o norte do atual PE, que segue na direção oposta ao modelo da maior parte das grandes petrolíferas do mundo. A manutenção de uma política de desinvestimentos de ativos em momentos de baixa valoração dos ativos de petróleo, combinados com a agressiva política de ajuste de preços no mercado interno aos preços internacionais, que favorecem as importações de derivados, levaram a uma deliberada perda de market share da companhia no abastecimento de derivados no Brasil.

 

Um cenário de incertezas

Foto: Unsplash.

Além dos objetivos rebaixados do PE vigente, sua execução tem sido inferior ao planejado. Desde 2011 a Petrobras não realiza todo o CAPEX planejado. No quinquênio 2017-2021, somente 74% das despesas de capital foram realizadas e, em 2022, até o terceiro trimestre, os investimentos correspondiam apenas a 63% do esperado.

 

A nova direção da companhia, em particular seu novo Conselho de Administração precisará se debruçar sobre a construção de um novo plano estratégico para o próximo quinquênio e alguns dilemas serão incontornáveis nesse processo. Dentre estes, destaco quatro:

 

 

1. Avançar na exploração de novas áreas ou limitar-se às áreas já descobertas?

 

O PE 2023-2027 concentra grande parte dos seus investimentos no desenvolvimento da produção do pré-sal, isto é, na contratação de onze novas unidades de produção (FPSO) que serão alocadas nas bacias de Santos e de Campos, admitindo-se a possibilidade de uma unidade para Sergipe, no final do período. Por outro lado, os recursos destinados à exploração são os menores desde 2007, quando da descoberta do pré-sal, apesar de uma pequena elevação em relação ao PE anterior. A Margem Equatorial e as bacias do Sudeste concentram a quase totalidade dos esforços exploratórios.

 

 

Um dos grandes dilemas no segmento exploratório, além do volume total de investimento, é onde alocar esses recursos? A chamada Margem Leste, que envolve as áreas costeiras do norte do Espirito Santo até a Margem Equatorial, está praticamente abandonada e sem previsão de investimentos exploratórios. Ao mesmo tempo, as grandes descobertas realizadas em Sergipe sugerem que a Bacia de Jacuípe, no norte da Bahia, em continuidade geológica da Bacia de Barra, em Sergipe, também tem amplo potencial exploratório. Essas duas áreas, Margem Leste e Bacia de Jacuípe, podem ser novas oportunidades exploratórias para Petrobras no médio prazo, assim como algumas bacias terrestres abandonadas pela empresa.

 

 

2. Expansão do atual parque de refino ou ampliar importações?

 

No que se refere ao Refino, o PE 2023-2027 tem como parâmetro o acordo firmado com o Cade para privatização de refinarias e que, até o momento, resultou no desmonte do parque refinador integrado no país e criou a possibilidade de monopólios privados regionais, como já aconteceu na Bahia (RLAM) e em Manaus (REMAN). Ademais, no atual PE há a expectativa de que os investimentos no refino vão crescer até o final do período (2027), ainda que os investimentos foquem “na modernização dos ativos e na qualidade dos produtos, investindo na redução da emissão de carbono na atividade e na ampliação da produção de biorefino”, como descrito no quarto artigo dessa série. Não há nada sobre a expansão da capacidade de processamento do parque de refino da Petrobras, que estaria basicamente concentrado no Sudeste brasileiro em 2027.

 

 

A questão chave é: o que acontecerá com o mercado brasileiro de combustíveis na eventualidade de uma retomada do crescimento econômico? Se isso ocorrer, a demanda doméstica de derivados crescerá, o que implicará em um crescimento das importações de derivados, dada a limitação da capacidade instalada de refino.

 

 

Os países produtores de petróleo com mercados internos em expansão adotaram trajetória distinta da escolha vigente da Petrobras. Eles ampliaram sua capacidade de refino para reduzir sua dependência de fornecedores internacionais. Países com grandes mercados em expansão, como a China e Índia, também adotaram a estratégia de expansão de seus parques de refino. Somente os Estados Unidos e os países da OCDE não estão expandindo seu parque de refino, pois já operam com excesso de capacidade de oferta nesse segmento. Além disso, os Estados Unidos são grandes fornecedores de derivados para os mercados latino-americanos, inclusive para o Brasil, e alguns países da Europa.

 

 

3. Investir ou não na transição energética e no segmento de renováveis?

 

Não parece haver dúvidas de que as petroleiras internacionais (IOCs) precisam aumentar seus investimentos em energias renováveis para reduzir as emissões que afetam as mudanças climáticas e diminuir relativamente os investimentos em energias fósseis. Também parece ser verdade que elas estão concentrando seus investimentos em redução de suas próprias emissões, otimizando seus processos, corrigindo perdas de metano e diversificando seu portfólio de fontes primárias de energia, incluindo mais fontes renováveis. A Petrobras, na contramão do mercado, vem reduzindo drasticamente sua participação em biocombustível e etanol, em virtude de seu processo de desverticalização.

 

 

A revisão do atual PE deve responder a duas questões: (i) qual será o volume de investimentos revertido à transição energética? E (ii) qual será a destinação desses recursos? Serão necessários investimentos na descarbonização de processos internos, assim como na expansão dos biocombustíveis e desenvolvimento de novas atividades no segmento de renováveis, tais como a eólica offshore e hidrogênio verde.

 

 

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4. Investimentos ou dividendos?

 

Por fim, uma empresa do porte da Petrobras frequentemente acessa os mercados de capitais para financiar seus investimentos e, portanto, não pode limitar-se à geração própria de caixa para garantir sua expansão. Portanto, o seu novo Conselho de Administração precisará arbitrar entre renovar a escolha pelo curto prazo, remunerando regiamente os acionistas e os credores, e o crescimento, que garante a continuidade da geração de caixa da empresa no longo prazo. É preciso arbitrar os interesses dos vários tipos de acionistas, desde aqueles do intra-day, que especulam com as variações diárias das ações, como daqueles com perfil de mais longo prazo, como fundos de pensão e governos, cujos objetivos se alinham à perspectiva de crescimento mais sustentável da companhia.

 

 

Esses dilemas exigirão do novo Conselho de Administração da Petrobras uma visão determinada do tipo de empresa que quer construir: se uma petroleira independente, focada na exportação do petróleo do pré-sal e “vaca leiteira” dos acionistas, ou se uma empresa integrada de energia, sustentável financeira e ambientalmente no longo prazo e importante para todos os públicos de interesse, especialmente o povo brasileiro, detentor da maioria das ações com direito a voto na empresa.

 

 


 

Notas:

1. GABRIELLI DE AZEVEDO, J. S. Esboço de um marco conceitual para a análise da indústria do petróleo, pré-sal e desenvolvimento. In: GIAMBIAGI, F. e BARROS, O. D. (Ed.). Brasil pós-crise: agenda para a próxima década. . Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p.247-266. ISBN 978-85-352-3279-0.

 

Artigo publicado originalmente em Le Monde Diplomatique.

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