Megadividendos e o futuro da Petrobras: entre o interesse nacional e de acionistas

Mahatma dos Santos
Megadividendos e o futuro da Petrobras: entre o interesse nacional e de acionistas

A Petrobras divulgou no dia 03/11 seus resultados operacionais e financeiros do terceiro trimestre de 2022 (3T22), que foram marcados pelo pagamento de megadividendos aos seus acionistas. A distribuição de R$ 43,7 bilhões no 3T22 transformou a empresa na terceira maior pagadora de dividendos do mundo nesse trimestre, segundo a sociedade gestora Janus Henderson. 

 

No acumulado dos nove primeiros meses de 2022 (9M22), a estatal distribuiu cerca de R$ 180 bilhões em dividendos, volume 77% superior ao montante pago ao longo de todo o ano de 2021 (R$ 101,4 bilhões). Com isso, 2022 já é o ano de maior distribuição de dividendos na história da petroleira, que em apenas nove meses transferiu aos seus acionistas o dobro dos cerca de R$ 90 bilhões distribuídos pela estatal entre 2008 e 2020, isto é, em 12 anos.

 

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O cenário geopolítico global e as fortes altas nos preços do petróleo, gás natural e seus derivados no mercado internacional são fatores potentes para explicar os resultados positivos da Petrobras no último período. Porém, o principal vetor da distribuição recorde de dividendos no último biênio foi a estratégia de negócios adotada pela companhia.

 

Com objetivos de ampliar a geração de valor, reduzir o endividamento e “maximizar” o retorno aos acionistas, a estratégia da Petrobras, em curso desde 2016, garantiu o pagamento de megadividendos aos seus shareholders no último biênio. Porém, tal decisão implicou no encolhimento da companhia via venda de ativos e redução dos investimentos, fatores que, no longo prazo, ampliam a vulnerabilidade da empresa a choques externos e ascendem um alerta quanto ao futuro da empresa.

 

Megadividendos e o futuro da Petrobras: entre o interesse nacional e de acionistas

Foto: TheInvestorPost / Pixabay.

Essa gigantesca transferência de renda aos seus acionistas – grupo de controle e investidores privados — ancorou-se, ao menos, em quatro elementos centrais: amplo processo de desinvestimentos, com venda de ativos lucrativos e estratégicos; desverticalização e concentração de suas atividades de exploração e produção no pré-sal, área de produção e exploração mais rentável;  agressiva política de preços de paridade de importação (PPI), que penalizou os consumidores brasileiros com explosão dos preços dos derivados no mercado interno; e flexibilização da Política de Remuneração aos Acionistas da estatal, que, desde 2021, garantiu um pagamento anual mínimo de dividendos e permitiu o pagamento de dividendos extraordinários, por exemplo, através de saques na conta de reserva de lucros da companhia.

 

Para atender aos interesses de seus acionistas – grupo de controle (União) e investidores privados, a Petrobras empenhou no pagamento de dividendos o equivalente a cerca de 96% de todos os recursos líquidos gerados por suas atividades operacionais durante os 9M22 (R$ 187,8 bilhões) e a 124% do lucro líquido produzido nesse período. Essa estratégia de ampla distribuição e antecipação do pagamento de dividendos no curto prazo, não só reduziu o caixa da empresa como provocou o encolhimento de seu patrimônio, tanto através da venda – parcial ou integral – de cerca de 206 ativos da empresa nos últimos anos (cálculos do Ineep), quanto pela diminuição de 9% nas suas reservas de lucro ao longo de 2022. 

 

Nos últimos dois trimestres, outro elemento conjuntural que estimulou essa histórica distribuição de dividendos foi a pressão oficial do atual governo federal para que a Petrobras (e outras estatais) elevasse seu pagamento de dividendos. O objetivo central dos interesses do governo era financiar as políticas de caráter eleitoral implementadas pelo executivo nos últimos meses. Vale lembrar que o governo federal e o BNDES – grupo de controle da empresa – detêm juntos 36,6% do capital da Petrobras, enquanto investidores privados brasileiros possuem outros 17,7% e investidores privados não-brasileiros tem 45,7%.

 

O pagamento desses megadividendos ocorreu, ao mesmo tempo, em que a Petrobras reduziu sistematicamente seus investimentos ao longo dos últimos anos, o que já se refletiu na redução de 3,6% da produção de óleo e gás natural e 4,5% na produção de derivados de petróleo, na comparação dos 9M22 com 9M21. O total de dividendos pagos apenas em 2022 equivalem a todo o investimento realizado pela estatal nos últimos quatro anos (entre o 3T18 e 2T22). 

 

Quando comparada a outras sete International Oil Companies (IOCs) — Saudi Aramco, ExxonMobil, Chevron, Total Energies, Shell, BP e Equinor —, nota-se que a Petrobras foi aquela que menos investiu no agregado dos anos 2021 e nove meses de 2022. O total investido pela petroleira brasileira nesse período representou apenas cerca de 43% da média de investimentos realizados pelas outras IOCs. Por outro lado, quando se compara o total de dividendos pagos, a empresa brasileira fica atrás apenas da Saudi Aramco. Os cerca de US$ 54 bilhões pagos em dividendos pela Petrobras no último biênio foram 75% superiores à média de dividendos pagos pelas outras IOCs (US$ 30,6 bilhões) no período. Se retirarmos a Saudi Aramco desse cálculo, o montante distribuído pela estatal brasileira é quatro vezes maior que a média das outras IOCs.

 

Os dados atestam o uso superlativo da alcunha “megadividendos” ao volume de recursos distribuídos pela estatal no último período, tanto por seu caráter excepcional na história da Petrobras, quanto por colocar a petroleira brasileira entre as lideranças mundiais e da indústria nesse quesito. Ademais, os dados apontam o quanto tal estratégia de negócios orientada a interesses de curto prazo amplia a dependência estrutural da empresa a variáveis externas e coloca em risco o futuro operacional e financeiro da empresa.

 

Portanto, o desafio colocado ao recém eleito Partido dos Trabalhadores e à frente democrática que o apoia será de articular os interesses contraditórios e inerentes a uma empresa de capital misto com os as urgentes necessidades do país, garantindo acesso a combustíveis a preços justos à população mais pobre, segurança de abastecimento e soberania energética nacional, além da retomada dos investimentos e imersão do Brasil e da Petrobras na agenda global por uma transição energética e justa.

 

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