Utilizando operações contábeis, Petrobras garante lucro anual de R$ 7,1 bilhões

Rafael Rodrigues da Costa
CartaCapital
Utilizando operações contábeis, Petrobras garante lucro anual de R$ 7,1 bilhões

Rio de Janeiro – Edifício sede da Petrobras na Avenida Chile, centro da cidade. Foto: Fernando Frazão.

A Petrobras divulgou ontem (24/02) os resultados operacionais e financeiros do balanço anual de 2020. Segundo a companhia, o lucro líquido foi de R$ 7,1 bilhões. Efeitos contábeis e operações financeiras estão entre os principais motivos desse resultado.

 

O saldo positivo surpreendeu o mercado. Em um ano marcado pela pandemia da Covid-19 e pela crise de preços no mercado internacional de petróleo, grande parte das petrolíferas internacionais registrou resultados negativos em 2020.
Não foi o caso da Petrobras. Embora a empresa tenha tido um ganho significativamente menor ao obtido em 2019 (-82,3%), o seu excelente resultado no 4º trimestre (com lucro líquido de R$ 59,9 bilhões) superou as expectativas dos analistas, que projetavam um lucro, em média, próximo a R$ 4,6 bilhões.

 

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Por trás desse bom resultado, contudo, encontram-se algumas operações contábeis e financeiras, como a reversão dos impairments, da ordem de R$31,0 bilhões, os ganhos cambiais, de R$ 20,0 bilhões e a reversão de despesas com o plano de saúde dos funcionários, no valor de R$ 13,1 bilhões. Essas mudanças impactaram positivamente no resultado da companhia em R$ 64,1 bilhões. Não fossem esses pontos destacados, a empresa apresentaria um pequeno lucro no último trimestre e um grande prejuízo no ano de 2020.

 

Ainda assim, o lucro da estatal antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebtida ajustado) chegou a R$ 143,0 bilhões, um aumento de 10,6% em relação a 2019. Esse crescimento aconteceu mesmo com a receita total líquida apresentando queda de 10,0%, fechando 2020 em R$ 272,1 bilhões.

 

Segundo a empresa, isso aconteceu em virtude da redução no volume de vendas de combustíveis para o mercado interno (que caíram de 2,1 milhões de barris por dia em 2019 para 1,9 milhão bpd em 2020) e que, associada as menores margens nos derivados, representaram uma diminuição nas receitas da companhia da ordem de 16,4%. Por outro lado, o resultado negativo de vendas foi minimizado graças ao expressivo aumento nas exportações, tanto de petróleo cru como do óleo combustível tipo bunker, que fizeram com que o volume de vendas para o mercado externo saltasse de 735 mil bpd em 2019 para 866 mil barris diários em 2020, garantindo a Petrobras uma receita de R$ 87,4 bilhões, valor 7,3% maior ao registrado no ano passado.

 

No que tange as despesas operacionais, elas tiveram um crescimento de 73,5%, saindo de R$ 40,1 bilhões em 2019 para R$ 71,1 bilhões em 2020. Embora boa parte dessa alta na despesa esteja relacionada a baixa contábil dos impairments (R$ 34,3 bilhões) cabe ressaltar o expressivo crescimento nas despesas com materiais, serviços, fretes, aluguéis e outros, que só em 2020 aumentaram R$ 5,1 bilhões, representando um aumento anual de 46,4%. Isso porque grande parte desse valor se deve aos custos de transporte do gás natural, que passaram a ser cobrados após a venda da sua subsidiária logística, a TAG. Vendida por R$ 33,5 bilhões, o custo de aluguel pago pela Petrobras a sua antiga subsidiária em um ano pode ter representado cerca de 15% do valor total recebido em sua venda.

 

Separando por segmento, observa-se que o lucro operacional do E&P em 2020 foi de R$ 50,9 bilhões, uma redução de 49,6% quando comparado a 2019. Essa queda foi decorrente da menor cotação do Brent, embora parcialmente compensado pela maior produção (de 2,7 Mbpd em 2019 para 2,8 Mpd em 2020). Vale lembrar que esse aumento se deveu exclusivamente ao pré-sal, onde a produção teve um aumento de 21,1%, saindo de 1,3 Mbpd para 1,6 Mbpd. O crescimento, aliás, só não foi maior em razão da queda da produção do pós-sal em águas profundas e ultraprofundas.

 

Já no Refino, o lucro operacional de R$ 4,3 bilhões representou uma queda menos aguda que a registrada no E&P, com retração de 32,5%. Isso reforça o papel estratégico do refino da Petrobras para mitigar as perdas nos demais segmentos, uma vez que em um cenário de crise, aproveitou para ampliar a sua produção de derivados em 2,8% e deslocou suas vendas para o mercado externo, sobretudo para os mercados da Ásia e Europa. Vale lembrar que parte expressiva dessa produção foi refinada pela RLAM, refinaria que acaba de entrar em processo de privatização pela Petrobras.

 

Sobre os investimentos, a Petrobras em 2020 desembolsou o equivalente a US$ 8,1 bilhões, o menor patamar dos últimos 20 anos. Como efeito, a petrolífera vem sofrendo uma drástica redução nas suas reservas provadas – que caíram de 14,0 bilhões de barris de óleo equivalente (boe) em 2014 para 8,8 bilhões boe, em 2020. Outro fator importante é o destino desses investimentos: enquanto o E&P concentra 81,4% dos investimentos, Refino e Gás e Energia respondem, ao todo, apenas 16,1%. A falta de investimentos, de um lado, somada a concentração em um segmento específico, de outro, ilustram como a atual estratégia provoca o encolhimento da Petrobras em um curto espaço de tempo.

 

O resultado da Petrobras em 2020, por fim, é possivelmente o retrato mais acabado do equívoco estratégico da atual gestão. Em um ano marcado pela maior crise do século no setor, a Petrobras alcançou um bom desempenho operacional aproveitando-se das suas oportunidades de mercado nas exportações de petróleo cru e derivados, o que a fez aumentar não apenas a sua produção de petróleo como também a utilização das suas refinarias. Apesar disso, como todas as petrolíferas do mundo, a empresa teria alcançado prejuízo não fosse operações contábeis e financeiras que o transformou em lucro, o que possibilitou o pagamento de dividendos e bônus para a diretoria.

 

Mesmo que o mercado festeje tal resultado, ele pode levantar questionamentos sobre a gestão contábil da estatal e omite os riscos futuros, dados pela queda de reservas e desorganização do abastecimento nacional. Essa é uma prova indelével que a Petrobras é importante uma empresa estatal integrada de energia.

 


 

 

Artigo publicado orginalmente na CartaCapital.

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