Política de preços da Petrobras trata o Brasil como importador de petróleo e derivados
Folha de S.Paulo
A recente queda de braços entre Jair Bolsonaro e Roberto Castello Branco, presidente da Petrobras, em torno da elevação no preço do diesel expressa, na verdade, as tensões existentes na atual política de preços adotada pela estatal. Todavia, essa política, além de tornar os preços mais voláteis, não deve incentivar a concorrência no Brasil em função das características do nosso mercado. Considerando a estrutura produtiva do petróleo, a Petrobras poderia utilizar instrumentos para atenuar essas oscilações, diminuindo o impacto deletério sobre o consumidor final.
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Nesta sexta-feira (19), Bolsonaro afirmou que pode fazer alguma mudança na Petrobras, após a estatal anunciar um novo aumento nos preços do diesel e Castello Branco dizer que a crise dos caminhoneiros não era “um problema da Petrobras”.
A tensão entre ambos é resultado da política de preços da estatal que – acompanhada da redução na carga de produção das refinarias e da abertura do mercado de derivados para importadores –, desde maio de 2020, tem feito o valor do diesel disparar nas suas refinarias. Esse aumento acompanha o crescimento do barril de petróleo no mercado internacional e a desvalorização cambial.
Muitos analistas consideram que essa sistemática reflete as condições de mercado da indústria do petróleo, que é uma commodity internacional, e permite aos importadores concorrerem com os produtos fabricados pela Petrobras. Isso tornaria o mercado brasileiro mais competitivo e reduziria eventuais distorções.
Esse diagnóstico, no entanto, ignora as especificidades do mercado de abastecimento no Brasil. Primeiro, as nossas refinarias são concentradas regionalmente, o que dificultaria maior concorrência entre elas. Segundo, estudo do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) aponta que os perfis das refinarias da Petrobras são bastante diferenciados entre si, o que deve ser uma outra barreira para tornar o mercado de abastecimento mais competitivo.
Além das características do mercado de refino brasileiro que dificultam uma concorrência via preços, a Petrobras apresenta condições favoráveis para ter uma política de preços mais flexível. O petróleo produzido pela estatal abastece mais de 90% das suas refinarias, cuja produção pode atender quase a totalidade do consumo interno. Isso torna o país pouquíssimo dependente de importações. Com isso, a Petrobras poderia aproveitar a sua estrutura produtiva para evitar um repasse tão frequente e tão próximo das cotações externas, diluindo o impacto para o consumidor final.
A maior autossuficiência na produção de petróleo e derivados, na maior parte dos países, significa maior autonomia para gerir seus preços. Em países como a Dinamarca, onde a produção de petróleo atende quase que integralmente o seu consumo, embora não seja um grande exportador, as cotações internacionais são um referencial importante. Mas o país nórdico usa sua empresa estatal (Energinet.dk) e outros instrumentos fiscais para atenuar os impactos das oscilações do preço internacional.
As experiências internacionais mostram que a opção da Petrobras é a mesma de países dependentes de petróleo e derivados no exterior, ou seja, trata o Brasil como se não fosse um dos maiores produtores de petróleo do mundo e coloca o país na situação de importador de derivados.
Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo.
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Edmilson Raldenes
raldenes@hotmail.com