Mesmo com a vitória de Biden, a reviravolta energética dos EUA e das companhias de petróleo não deve ocorrer

Rafael Rodrigues da Costa, Rodrigo Leão
Broadcast Energia
Mesmo com a vitória de Biden, a reviravolta energética dos EUA e das companhias de petróleo não deve ocorrer
Mesmo com a vitória de Biden, a reviravolta energética dos EUA e das companhias de petróleo não deve ocorrer

Foto: Zukiman Mohamad / Pexels.

A eleição americana se aproxima do fim e há muitas expectativas se uma vitória do candidato democrata, Joe Biden, pode significar uma mudança total de eixo da política energética dos EUA, principalmente em relação ao petróleo e ao gás natural. Embora tenha explicitado ao longo da sua campanha o interesse em ampliar os investimentos em energia limpa, o candidato democrata refutou a pretensão de reduzir a produção de shale gas e tight oil americano. As iniciativas sinalizadas pelo democrata devem caminhar no sentido de tornar o “petróleo e o gás mais limpos”, ou seja, de incentivar medidas que reduzam a emissão de gases poluidores.

 

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Essa inclusive tem sido a tendência dos projetos das petrolíferas americanas na área de energia renovável. As companhias têm inserido nos seus planos estratégicos ações de descarbonização. Mesmo assim, o peso desse tipo de investimentos nas duas maiores majors (Chevron e ExxonMobil) ainda é ínfimo. Mesmo com Biden a frente nas intenções de voto, nenhuma das duas companhias sinalizou um redirecionamento dos seus planos estratégicos, o que leva a crer que é muito difícil ocorrer uma reviravolta da política energética americana.

 

A reportagem da CNBC, assinada por Patti Domm, aponta que o próprio Biden se mostra relativamente evasivo em relação a uma transformação mais abrupta da política energética americana. Em nenhum momento ao longo da campanha, o candidato democrata disse que vai adotar medidas proibitivas para a exploração de shale e tight, dada sua importância para a independência energética americana.

 

Essa percepção é reforçada pela eleição do Congresso americano. Nos locais onde candidatos democratas foram eleitos para o Senado e a Câmara, a indústria de petróleo e gás e seus trabalhadores (conhecidos como blue collars) tem um peso importante.

 

Os principais analistas do setor acreditam que, a despeito de apresentar um plano energético de US$ 2 trilhões que inclui várias iniciativas de energia limpa, Biden não vai atuar para extinguir a produção de petróleo e gás. A estratégia do democrata se limitará a fortalecer a regulação do setor, restringindo as emissões de metano e o fracking em algumas terras federais.

 

“Acho que Biden verá isso [a indústria de tight oil e shale gas] como uma importante contribuição para a economia dos Estados Unidos. Mesmo que ele não compartilhe da visão do presidente Trump, que via nessa indústria um papel estratégico, Biden sabe que política do petróleo é importante para recuperação econômica”

disse a chefe da estratégia global de commodities na RBC, Helima Croft.

 

Antes de Trump, a política energética do presidente Obama, embora tivesse preocupações com a redução dos gases de efeito estufa e com o uso de carvão, colocava a indústria de tight e shale como centrais para a autossuficiência energética e para assegurar empregos numa região muito importante para a economia americana. Diferentemente do seu concorrente democrata na disputa pela corrida à presidência, Bernie Sanders, Biden é membro do mainstream do Partido Democrata e, por isso, é provável que ele siga os passes de Obama preservando as diretrizes dessa política para não colocar em risco a tão desejada independência energética dos EUA.

 

Os planos das próprias gigantes de petróleo, Chevron e ExxonMobil, não apresentam grandes mudanças, mesmo com o favoritismo de Biden. Elas continuam apostando em projetos de petróleo e gás natural e sua atuação em energia limpa continua bastante focada em poucos investimentos em descarbonização. De acordo com um estudo coordenado pelo professor da Colorado School of Mines, Ensieh Shojaeddini, na década passada, o capital expenditure (capex) da Chevron e da ExxonMobil representou menos de 0,5% do total em cada em empresa. Os planos estratégicos das duas maiores petrolíferas americanas confirmam essa avaliação.

 

No seu último Annual Report, a Chevron definiu objetivos estratégicos apenas para os segmentos de upstream, midstream e donwstream da área de petróleo e gás natural. Para cada uma dessas áreas, a companhia definiu os seguintes pilares estratégicos:

  1. upstream: proporcionar retornos líderes da indústria ao mesmo tempo em que desenvolve oportunidades de recursos de alto valor;
  2. midstream: fornecer expertise operacional, comercial e técnica para melhorar os resultados em upstream e downstream & produtos químicos; e
  3. donwstream & petroquímica: aumentar os ganhos em toda a cadeia de valor e fazer investimentos direcionados para liderar a indústria em retornos.

Em relação a mudança climática, as preocupações da Chevron estão concentradas na redução da emissão de gases do efeito estufa e do uso de recursos hídricos para a exploração de petróleo e de gás natural. A meta anunciada pela companhia é de reduzir entre 25 e 30% da emissão de gases de efeito estufa de acordo com as metas do Acordo de Paris e 25% do uso de água fresca nas operações de upstream.

 

No último Investor Report publicado pela Exxon, em maio de 2020, a empresa elenca que suas prioridades são os setores de exploração com baixo custo de extração, de produção nos mais diferentes tipos de ativos (GNL, shale e tight, convencional em águas profundas e heavy oil) e em projetos petroquímicos e de downstream principalmente nos Estados Unidos, na Ásia e na Austrália.

 

Nesse documento, os renováveis também não aparecem como um objetivo estratégico para a Exxon. A petrolífera americana faz apenas menção a duas iniciativas na área de sustentabilidade e meio ambiente: primeiro, a meta de redução da emissão de gases de efeito estufa na produção de petróleo (de 5 a 10% até 2023) e gás natural (de 2 a 5% até 2023) e, segundo, o apoio para alguns projetos pontuais, como um parque de energia eólica no Texas para alimentar sua própria estrutura produtiva na Bacia do Permiano e parceiras para realizar inovações na produção de biocombustíveis. Ainda assim, tais iniciativas são muito tímidas.

 

Dessa forma, a inserção das energias limpas na matriz americana deve continuar a passos lentos. Nem os democratas, nem as petrolíferas parecem muito propensas a alterarem radicalmente esse cenário no curto prazo.

 


 

Texto publicado antes da divulgação do resultado da eleição presidencial americana.

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