Queda no preço dos combustíveis e nas vendas faz lucro da BR Distribuidora desabar 50%

Eduardo Costa Pinto
Opera Mundi

Por um lado, a crise da Covid-19 reduziu o volume de vendas da BR distribuidora em 6% no 1º trimestre de 2020. Por outro lado, a queda no preço dos derivados provocou perdas com a desvalorização dos estoques de derivados Foto: Opera Mundi.

O lucro da BR Distribuidora desabou 50% no balanço do primeiro trimestre deste ano, divulgado na última quarta-feira (10/06). Os efeitos da pandemia do novo coronavírus foram responsáveis por uma queda de 6% no volume de vendas, mas o que impactou mais agressivamente o lucro da empresa foi a desvalorização de estoques. A distribuidora, que tinha grandes estoques de combustíveis adquiridos a preços altos, viu-se obrigada a vender seus produtos com prejuízo, a preços menores do que o custo.

O lucro líquido de R$ 234 milhões representa uma queda de 50% (ver tabela) em relação ao mesmo período do ano passado. A empresa distribui e comercializa derivados de petróleo, como gasolina e outros combustíveis, lubrificantes, nafta e produtos químicos. Essas atividades foram expressivamente afetadas por dois efeitos principais: o isolamento social no Brasil, que reduziu o volume de vendas, e a queda do preço de derivados – em decorrência da queda do preço internacional de petróleo [1] – que provocou a consequente desvalorização de todo estoque da distribuidora.

Em outras palavras, a crise da Covid-19 por um lado reduziu o volume de vendas da BR distribuidora em 6% no 1º trimestre de 2020. Isso fez a receita de vendas cair 5,5%, de R$ 22,4 bilhões para R$ 21,2 bilhões. E, por outro lado, a queda o preço dos derivados entre o 1º trimestre de 2020 e o anterior provocou as já citadas perdas com a desvalorização dos estoques de derivados, que foram adquiridos a preços mais altos. Isso fica evidente na tabela abaixo, quando comparamos a queda na receita de vendas liquidas (-5,5%) com o custo dos produtos vendidos (-2,9%). Ou seja, mesmo com a redução dos custos de pessoal e com os ganhos com importações de derivados, o custo dos produtos vendidos caiu menos do que a própria receita das vendas.

Com isso, o lucro bruto no primeiro trimestre de 2020 foi de R$ 946 milhões, queda de cerca de 40% em relação ao mesmo período do ano passado, quando a empresa ainda era estatal, subsidiaria da Petrobras. O Ebtida (sigla em inglês para Lucro Antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização) ajustado da empresa caiu 36,6%, contabilizando R$ 545 milhões, ao passo que a receita total das vendas liquidas registrou uma queda de 5,5%. Isso implicou numa forte redução da margem do Ebitida, que caiu de 3,8 para 2,6.

Resultados selecionados do Balanço da BR Distribuidora 1º Trimestre de 2020

Fonte: Ineep.

 

A empresa estava parcialmente protegida das variações de preço e por isso chegou a ter um ganho com o hegde de commodities [2] de cerca de R$ 416 milhões. No balanço esse valor entra na rubrica de receita (despesas) operacionais, que foram diminuídas em 59,6%.

Esses dados do balanço revelam também as novas estratégias da empresa após a privatização realizada no ano passado quando a Petrobras vendeu 33,75% do capital total da empresa.

Os principais eixos estratégicos da BR Distribuidora estão centrados na redução de ativos e de custos com a força de trabalho. Houve redução das camadas hierárquicas da organização e renegociação com os fornecedores (ampliação da importação de derivados).

Esse tipo de ajuste de redução com a redução do tamanho do quadro de funcionários e da redução de imobilizados – no jargão da administração esse processo é conhecido como downsizing – foi uma prática utilizada pelas empresas estatais privatizadas na década de 1990 no Brasil. Isso tem sido uma prática recorrente na gestão empresarial, sobretudo após empresas serem privatizadas, uma vez que esse tipo de redução de custos tende a gerar resultados imediatos no balanço da empresa, alavancando temporariamente os preços das ações e os ganhos dos proprietários da empresa, sem levar em conta os outros stakeholders da empresa, como os empregados, os gerentes, a comunidades etc.

Quanto à gestão de portfólio, a BR Distribuidora privatizada já realizou o desinvestimento da CDGN logística, que atua no mercado de logística de gás natural, e colocou à venda a Stratura asfaltos.

No que diz respeito à redução da força de trabalho, a Companhia realizou um plano de desligamento voluntário em que já foram desligados cerca de 979 funcionários, sendo que antes do plano, em dezembro de 2018, havia 3.134 empregados e hoje (maio de 2020) há 2.403 empregados. Ou seja, a empresa reduziu em quase 24% sua força de trabalho e ainda estabeleceu reduções nos salários (cerca de 50% no salário médio mensal do pessoal e administradores entre 1º trimestre de 2020 e o mesmo trimestre do ano passado).

O que supostamente seria cortar gordura, implica, na verdade, numa expressiva redução na distribuição do valor adicionado para o trabalhador, ampliando a intensidade do trabalho e aumentando o grau de exploração do trabalho.

Isso fica evidente nos dados da Demonstração do Valor Adicionado do primeiro trimestre de 2020, que foi de R$ 5.916 milhões, onde é possível identificar a queda de 7%, no 1º trimestre de 2019, para 4%, no 1º trimestre de 2020, no valor adicionado destinado ao pessoal e administradores (salário direto e benefícios).

Quanto à comunidade, cabe destacar a redução dos gastos da BR Distribuidora em relações institucionais e projetos culturais de R$ 12 milhões, no 1º trimestre de 2019, para R$ 2 milhões no 1º trimestre de 2020.

Outro ponto importante destacado na estratégia da BR Distribuidora é a ampliação da importação de derivados. No primeiro trimestre, a importação de gasolina e diesel superou 23% das vendas desses produtos, proporção superior aos 20% no 4º trimestre de 2019. Isso mostra que a privatização da BR Distribuidora reduziu os nexos econômicos entre a distribuição e o refino da produção nacional.

Em linhas gerais, o Balanço da BR Distribuidora no 1º trimestre de 2020 mostrou que a companhia foi afetada pela crise da covid-19, bem como ela está realizando uma estratégia empresarial de redução dos custos da força de trabalho, redução dos ativos e ampliação da importação de derivados.


[1] A necessidade de isolamento social para combater a pandeia provocada pela Covid-19 provocou uma forte queda da demanda de petróleo e seus derivados. Num momento histórico que já havia uma enorme disputa geopolítica com o aumento da oferta de petróleo nos EUA, Brasil, Canadá e Noruega, reduzindo, em certa medida, o poder da Arábia Saudita, da Rússia e da Opep no cenário de disputa da geopolítica do petróleo. Isso implicou numa enorme queda dos preços do petróleo e seus derivados.

[2] “No mercado internacional, os preços praticados para venda do petróleo e seus derivados são influenciados por diversos fatores de caráter macroeconômico, geopolítico, capacidade de produção por parte da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), impactos no meio ambiente e desenvolvimento de novas tecnologias e fontes alternativas de energia, dentre outros. Tendo em vista esses fatores diversos, alheios ao controle da Companhia, de forma a mitigar o risco de commodity e favorecer o alinhamento entre o fluxo de receita e despesa, a Companhia passou a realizar operação de hedge para as cargas compradas no mercado internacional. Desta forma, acredita‐se que os custos e receitas da Companhia estejam mais aderentes ao planejado, fazendo com que o fluxo de caixa seja preservado, assim como a rentabilidade dos negócios”. Demonstrações Contábeis BR Distribuidora, (p. 152).

(*) Eduardo Costa Pinto é professor do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).

Artigo publicado originalmente em Opera Mundi.

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